quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

JONE PIMENTA - ARGELINA

argelina

Jone Pimenta
Argelina, na visão do Agenor, era um saco!
Sempre reclamando das coisas.
-Não, Agenor, a toalha tem que ficar dobrada pra dentro!!
-Aí não Agenor, corta na pia pra não fazer sujeira.
Resultado de imagem para caricatura de mulher raivosa-Fechou a tampa Agenor?
Vinte anos de casado!!
Vinte anos de reclamação!!
Ninguém merece!!
Se pudesse, sumia.
Separar? Nem pensar.
Uma coisa que não dá pra se livrar é de ex-mulher.
Não ia pagar pensão pra bruaca. Ainda mais sabendo que Argelina pegava dinheiro escondido da sua carteira e guardava na poupança.
-Pelamordedeus Agenor!! Olha onde você deixou o sapato!!!
Se pelo menos alguma alma bondosa seqüestrasse a infeliz.
- Como não pensei nisso antes? Seqüestro!!
Vou me se-qües-trar!!!! Dou um susto na desgraçada, recupero o dinheiro da poupança e volto como um herói de guerra.
Tratado a pão-de-ló!!
Naquela noite não pregou o olho planejando o próprio rapto.
Levantou mais cedo do que o normal.
Mais alegre do que o normal.
Mais rápido do que o normal.
Enquanto Argelina foi ao banheiro, colocou três cuecas e duas camisetas na sua malinha executiva.
-Vai que a negociação é demorada, pensou .
Tomou café, resmungou um adeus e saiu deixando a mulher a reclamar dos farelos de pão na cadeira.
No meio da tarde o telefone tocou. Argelina odiava atender.
O telefone insistiu. Argelina atendeu de mau humor.
-Alô?
-Sequestramo seu marido!
Era o Agenor fazendo voz rouca num orelhão, com o fone enrolado num saquinho de supermercado pra não ser reconhecido.
-Quem?
Resultado de imagem para  mulher  ao telefone-Seu marido!
-Que marido?
-O Agenor!!
-Sequestraram o Agenor?
-É! E queremo vinte mil pra libertar ele.
-Ele tá vivo?
-Tá ! Mas se chamá a polícia nóis apaga ele!!
-Tá bom, moço, eu pago.
Agenor sorriu e pensou convencido: – Ela me ama!!
-Mas eu quero uma prova de que ele tá vivo!
-Quer falar com o cara?
-Não! Você pode querer me enganar imitando a voz dele.
-Então o quê?
-Quero o dedo do meio da mão dele. O que tem uma pinta com pelinho. Manda aqui pra casa que eu pago.

E desligou o telefone.

AUTOR DESCONHECIDO - CACHORRINHO ESPERTO

CACHORRINHO ESPERTO
Autor desconhecido
Resultado de imagem para cachorrinho espertoUm dia, numa expedição na África, um cachorrinho começa a brincar de caçar mariposas e quando se dá conta já está muito longe do grupo do safari. Nisso vê bem perto uma pantera correndo em sua direção. Ao perceber que a pantera vai devorá-lo, pensa rápido no que fazer. Vê uns ossos de um animal morto e se põe a mordê-los.
Então, quando a pantera está a ponto de atacá-lo, o cachorrinho diz:
- “Ah, que delícia esta pantera que acabo de comer!”
A pantera pára bruscamente e sai apavorada correndo do cachorrinho, pensando:
- “Que cachorro bravo! Por pouco não come a mim também!”
Um macaco que estava trepado em uma árvore perto e que havia visto a cena, sai correndo atrás da pantera para lhe contar como ela foi enganada pelo cachorro. O macaco alcança a pantera e lhe conta toda a história. Então, a pantera furiosa diz:
- “Cachorro maldito! Vai me pagar! Agora vamos ver quem come a quem!”
- “Depressa!”, disse o macaco. “Vamos alcançá-lo”.
Resultado de imagem para MACACO E A PANTERAE saem correndo para buscar o cachorrinho. O cachorrinho vê que a pantera vem atrás dele de novo e desta vez traz o macaco montado em suas costas. - “Ah, macaco desgraçado! “O que faço agora?”, pensa o cachorrinho.

Ao invés de sair correndo, o cachorrinho fica de costas como se não estivesse vendo nada, e quando a pantera está a ponto de atacá-lo de novo, o cachorrinho diz: - “Maldito macaco preguiçoso! Faz meia hora que eu o mandei me trazer outra pantera e ele ainda não voltou!”Resultado de imagem para MACACO E A PANTERA

AUTOR DESCONHECIDO - ALUNOS ESPERTOS

ALUNOS ESPERTOS

Autor desconhecido
Dizem que o fato narrado abaixo é real e aconteceu em um curso de Engenharia da USJT (Universidade São Judas Tadeu), tornando-se logo uma das “lendas” da faculdade…
Na véspera de uma prova, 4 alunos resolveram chutar o balde: iriam viajar. Faltaram à prova e resolveram dar um “jeitinho”: voltaram à USJT na terça, sendo que a prova havia ocorrido na segunda. Então dirigiram-se ao professor:
– Professor! Fomos viajar, o pneu furou, não conseguimos consertá-lo, tivemos mil problemas, e por causa disso tudo nos atrasamos, mas gostaríamos de fazer a prova.
O professor, sempre compreensivo:
– Claro! Vocês podem fazer a prova hoje à tarde, após o almoço.
E assim foi feito. Os rapazes correram para casa e racharam de tanto estudar, na medida do possível. Na hora da prova, o professor colocou cada aluno em uma sala diferente e entregou a prova.
Primeira pergunta, valendo 1 ponto:
“Escreva algo sobre a ‘Lei de Ohm’.”
Os quatro ficaram contentes, pois haviam visto algo sobre o assunto. Pensaram que a prova seria muito fácil e que haviam conseguido se dar bem.
Segunda pergunta, valendo 9 pontos:

“Qual foi o que pneu furou?”

quinta-feira, 28 de julho de 2016

ARTUR AZEVEDO - UMA APOSTA

UMA APOSTA

 ARTUR AZEVEDO

Se o Simplício Gomes não fosse um rapaz do nosso tempo, se não usasse calças brancas, paletó de alpaca, chapéu de palha e guarda-chuva, daria ideia de um desses quebra-lanças que só se encontram nos romances de cavalaria. De outro qualquer diríamos: “Ele gostava da Dudu”; tratando-se, porém, do Simplício Gomes, empregaremos esta expressão menos familiar: “Ele amava Edviges.”
O seu amor tinha, realmente, alguma coisa de puro e de ideal, que não se compadecia com os costumes de hoje.
Começava por ser discreto; Dudu adivinhou, ou antes, percebeu que era amada, mas ele nunca lho disse, nunca se atreveu a dizer-lhe, não por timidez ou respeito, mas simplesmente porque não tinha confiança no seu merecimento.
Estava bem empregado, poderia casar-se e viver modestamente em família, mas era tão feio, tão pequenino, tão insignificante e ela tão linda e tão esbelta, que o casamento lhe parecia desproporcionado.
Ele não se sentia digno dela, não acreditava que a pudesse fazer feliz, e isso o desgostava profundamente. Ela, por seu lado, não concorria para que a situação se modificasse: fingia ignorar que ele a amava, e atribuía toda aquela solicitude a um afeto desinteressado.
Dudu vivia com a mãe, uma pobre viúva sem outro recurso que não fosse o do meio soldo e montepio deixados pelo marido, brioso oficial do Exército que viveu sempre desprotegido, porque não sabia lisonjear nem pedir; mas o Simplício Gomes, sem fumaças de protetor, e dando a esmola com ares de quem a recebia, achava meios e modos de fazer com que naquela casa faltasse apenas o supérfluo.
Como era parente, embora afastado, das duas senhoras, estas consideravam os seus favores simples atenções de família.
O caso é que o Simplício Gomes parecia adivinhar os menores desejos de Dudu e nessas ocasiões recorria ao ardil de uma aposta:
– Aposto que hoje chove!
– Que idéia! o dia está bonito!
– Pois sim, mas o calor é excessivo: temos água com toda certeza!
– Não temos!
– Façamos uma aposta!
– Valeu! se chover eu perco uma caixa de charutos.
– E eu aquela blusa que você viu na vitrina da Notre Dame e cobiçou tanto.
– Quem lhe disse que cobicei?
– Ora, esses olhos não me enganam…
No dia seguinte Dudu recebia a blusa.
A velha costumava dizer com muita ingenuidade:
– Você faz mal em apostar, Simplício! E muito caipora, perde sempre, e então, em se tratando de mudança de tempo, é uma lástima!
Conquanto não se atrevesse a falar em casamento, o pobre rapaz sofria, oprimido pela idéia de que quando menos se pensasse, Dudu teria um namorado… um noivo… um marido e efetivamente, não se passou muito tempo que os seus receios não se realizassem.
Dudu impressionou-se por um cavalheiro muito bem trajado, que começou a rondar-lhe a porta quase todos os dias, cumprimentando-a, depois sorrindo-lhe, e finalmente escrevendo-lhe graças à cumplicidade de um molecote da casa.
Depois de receber três cartas, Dudu contestou, convenceu-se de que as intenções do namorado eram as melhores e mostrou a correspondência à mãe, que imediatamente consultou o Simplício Gomes sem saber o desgosto que lhe causava. Este, que já havia notado as idas e vindas do transeunte suspeito, disfarçou o mais que pôde, os seus sentimentos, limitando-se a dizer que Dudu não deveria casar-se com aquele homem sem ter primeiramente certeza de que ele a amava deveras.
A velha, com toda a sua simplicidade, pediu-lhe que se informasse da idoneidade do pretendente, e o mísero logo se transformou de quebra-lanças em quebra-esquinas.
Foram desanimadoras (para ele) as informações que obteve: o rival chamava-se Bandeira, era de boa família, de bons costumes, funcionário público de certa categoria, estimado, e tinha alguma coisa. O seu único defeito era ser um pouco genioso.
O Simplício, que não tinha o altruísmo heróico de Cirano de Bergerac, não avolumou as qualidades do outro, mas foi leal: não as diminuiu. Em suma: o Bandeira pediu a mão de Dudu; e começou a freqüentar a casa.
O coitado não articulou uma queixa, mas começou desde logo a emagrecer a olhos vistos; perdeu o apetite, ficou macambúzio, fúnebre… Dudu, que tudo compreendeu, teve muita pena, teve quase remorsos; mas a velha nem mesmo assim desconfiou que a filha fosse adorada pelo infeliz parente.
Entretanto, o Simplício Gomes começou a ser assíduo em casa de Dudu; o seu desejo oculto era não deixá-la sozinha com o tal Bandeira enquanto não se casassem.
O noivo tinha, efetivamente, boas qualidades, mas era não só genioso, mas de uma arrogância, de uma empáfia, de um autoritarismo que começaram a inquietar Dudu.
Uma bela tarde em que se achavam ambos sentados no canapé, e o Simplício Gomes, afastado, num canto da sala, folheava um álbum de retratos, o Bandeira levantou-se dizendo:
– Vou-me embora; tenho ainda que dar umas voltas antes da noite.
– Ora, ainda é cedo; fique mais um instantinho, replicou Dudu, sem se levantar do canapé.
– Já lhe disse que tenho que fazer! Peço-lhe que vá desde já se habituando a não contrariar as minhas vontades! Olhe que depois de casado, hei de sair quantas vezes quiser sem dar satisfações a ninguém!
– Bom; não precisa zangar-se…
– Não me zango, mas contrario-me! Não me escravizei; quero casar-me com a senhora, mas não perder a liberdade!
– Faz bem. Adeus. Até quando?
– Até amanhã ou depois.
O Bandeira apertou a mão de Dudu, despediu-se com um gesto do Simplício Gomes, e saiu batendo passos enérgicos, de dono de casa.
Dudu ficou sentada no canapé, olhando para o chão.
O Simplício Gomes aproximou-se de mansinho, e sentou-se ao seu lado.
Ficaram dez minutos sem dizer nada um ao outro.
Afinal Dudu rompeu o silêncio. Olhou para o céu iluminado por um crepúsculo esplêndido, e murmurou:
– Vamos ter chuva.
– Não diga isso, Dudu: o tempo está seguro!
– Apostemos!
– Pois apostemos! Eu perco uma coisa bonita para o seu enxoval de noiva. E você?
– Eu… perco-me a mim mesma, porque quero ser tua mulher!
E Dudu caiu, chorando, nos braços de Simplício Gomes.

(O Século, 9 de julho de 1907. In Histórias Brejeiras, 1962.)

LEON ELIACHAR - O PILEQUE

O Pileque
Leon Eliachar

Airton saiu da boate cambaleando, não viu quando um automóvel quase o pegou. Não viu, mas ouviu:
Resultado de imagem para O PILEQUE– Sai da frente, ó palhaço!
Riu sozinho, porque nem levou susto. Olhou para o alto, viu uma porção de janelas iluminadas, como se fossem manchetes da solidão que domina Copacabana, às quatro da madrugada. Queria ir pra casa, mas não se lembrava onde morava. Seus amigos quiseram colocá-lo num táxi:
– Deixa que sei ir sozinho.
Veio andando, andando, sem rumo certo, duas moças o abordaram:
– Esta sem sono, meu bem?
Airton disse um palavrão, ouviu dois, saiu resmungando, esbarrou num guarda:
– Tem fogo ai, o meu chapa?
O guarda acendeu seu cigarro, aproveitou pra filar um, tentou puxar um papo mas Airton preferiu continuar andando. Agora o dia já estava clareando, o sol vermelho esticava as sombras de algumas pessoas que começavam a sair e ele ainda nem tinha voltado. Sentou-se no degrau de um edifício, chegou um homem pra reclamar, dizendo que era contra o regulamento. Airton achou graça do regulamento, porque o homem era um lavador de automóveis e estava complemente nu. Levantou-se, sem discutir, levou de sobra os respingos da mangueira, mas não perdeu a pose:
– Quanto é a lavagem?
Continuou andando, entrou num boteco:
– Média, pão e manteiga .
Comeu devagarinho, pagou, misturou-se com a multidão de homens e mulheres apressados que tentavam condução para o trabalho. Sentiu-se diferente dos outros, quis ficar com pena deles, mas acabou com pena de si mesmo, quando percebeu que estava com um dia de atraso: os outros já estavam vivendo o dia seguinte e ele ainda estava no ontem .
– Táxi! Táxi!
Saltou na porta de casa, decidido de que este seria o seu último pileque. Abriu a porta com cuidado, entrou devagarzinho, sem fazer o menor ruído. A mulher já estava na cozinha, preparando o café das crianças:
– É você, Airton?
Não teve outro jeito:
– Sou eu. Tive de fazer serão novamente, acabei num bar com os amigos, juro que foi a ultima vez, meu bem .
A mulher não disse uma palavra, deu-lhe um copo de leite:
– Acho bom você dormir um pouco, deve estar muito cansado.
Ele passou pelo quarto dos meninos, deu um beijo na testa de cada um. O menorzinho acordou, bocejando:
– Você já vai trabalhar, papai?
Sentiu vergonha de ser marido, de ser pai, de ser chefe de família. Retirou-se para o seu quarto, vestiu o pijama, cerrou as cortinas, para que a escuridão envolvesse o seu drama. Ficou pensando em Nina, sua amante, comparou-a com a mulher. Há três anos que a conhecera e há duas semanas que havia decidido romper, definitivamente, para salvar o seu lar. Mas não conseguia esquecê-la, dai ter apelado para a bebida. Saia sozinho, todas as noites, voltava de madrugada, não sabia sequer se a mulher aceitava suas desculpas ou se o aceitava assim mesmo como era, porque o amava muito. Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar, não conseguia mais nada. Deitava-se às oito da manhã, levantava-se as duas. Há quinze dias não almoçava nem jantava em casa e sua família não merecia isso. No escritório, resistia a tentação de uma reconciliação com “a outra”:
– Diz que não estou.
Resultado de imagem para O BEBUMÀ noite era um desajustado, um homem incompatibilizado consigo mesmo, tentando lavar com a bebida um passado ainda recente. Entrava nas boates, juntava o seu drama a outros dramas semelhantes, na efervescência do álcool. Todos sorriam, mas ninguém levava o sorriso pra casa. Pior que o cansaço, a insônia. Levantou-se, trocou novamente de roupa, foi tomar café com a mulher:
– Você não vai dormir, meu bem?
Sentiu-se forte com a doçura e a compreensão da mulher:
– Não tenho sono, preciso decidir um negócio muito importante hoje.
Tomaram café, ele saiu apressado. À noite, trouxe balas para os filhos e flores para a mulher. Jantaram juntos, com luz de vela. De madrugada, ao lado de seis garrafas de champanha vazias, os dois estavam caídos, também vazios. Acordaram quase juntos, com o primeiro raio de sol. Ela apertou sua mão, com um sorriso feliz, ele disse, sem virar o rosto do chão:
– Meu Deus, já é dia claro, tenho de voltar pra casa!

LUIS FERNANDO VERISSIMO - TU E EU

Tu e Eu
Luis Fernando Veríssimo

Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
Em não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.

Eu, femismo.

ARNALDO JABOUR - NOSSOS DIAS MELHORES NUNCA VIRÃO?

NOSSOS DIAS MELHORES NUNCA VIRÃO?

Arnaldo Jabour
Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que estranho "presente" é este que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos, ossos e sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido.

As utopias liberais do século 20 diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a tecnologia. Acontece que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para incrementar competição e produtividade, não só das empresas, mas a produtividade dos humanos, dos corpos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa vida está sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo.

Funcionar é preciso; viver não é preciso. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde?, para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação precoce. Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora, tudo é um "enorme presente", na expressão de Norman Mailer. E este "enorme presente" nos faz boiar num tempo parado, mas incessante, num futuro que "não pára de não chegar". Antes, tínhamos os velhos filmes em preto-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, de começo e fim, ficamos também sem presente. Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção. Não há tempo para os bichos. Se quisermos manhã, dia e noite, temos de ir morar no mato.
Há alguns anos, eu vi um documentário chamado Tigrero, do cineasta finlandês Mika Kaurismaki e do Jim Jarmusch sobre um filme que o Samuel Fuller ia fazer no Brasil, em 1951. Ele veio, na época, e filmou uma aldeia de índios no interior do Mato Grosso. A produção não rolou e, em 92, Samuel Fuller, já com 83 anos, voltou à aldeia e exibiu para os índios o material colorido de 50 anos atrás. E também registrou, hoje, os índios vendo seu passado na tela. Eles nunca tinham visto um filme e o resultado é das coisas mais lindas e assustadoras que já vi.
Eu vi os índios descobrindo o tempo. Eles se viam crianças, viam seus mortos, ainda vivos e dançando. Seus rostos viam um milagre. A partir desse momento, eles passaram a ter passado e futuro. Foram incluídos num decorrer, num "devir" que não havia. Hoje, esses índios estão em trânsito entre algo que foram e algo que nunca serão. O tempo foi uma doença que passamos para eles, como a gripe. E pior: as imagens de 50 anos é que pareciam mostrar o "presente" verdadeiro deles. Eram mais naturais, mais selvagens, mais puros naquela época. Agora, de calção e sandália, pareciam estar numa espécie de "passado" daquele presente. Algo decaiu, piorou, algo involuiu neles.
Lembrando disso, outro dia, fui atrás de velhos filmes de 8mm que meu pai rodou há 50 anos também. Queria ver o meu passado, ver se havia ali alguma chave que explicasse meu presente hoje, que denunciasse algo que perdi, ou que o Brasil perdeu... Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco, vi a precariedade de minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino comprido feito um bambu no vento, já denotando a insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. E não eram imagens de um passado bom que decaiu, como entre os índios.
Era um presente atrasado, aquém de si mesmo. A mesma impressão tive ao ver o filme famoso de Orson Welles, It's All True, em que ele mostra o carnaval carioca de 1942 - únicas imagens em cores do País nessa década. Pois bem, dava para ver, nos corpinhos dançantes do carnaval sem som, uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, uma falta de saúde no ar, uma fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, estavam aquém do presente deles, que já faltava muito naquele passado.
Vendo filmes americanos dos anos 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. O "hoje" deles é apenas uma decorrência contínua daqueles anos. Mudaram as formas, o corte das roupas, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A Depressão econômica tinha passado, como um grande trauma, e não aparecia como o nosso subdesenvolvimento endêmico. Para os americanos, o passado estava de acordo com sua época. Em 42, éramos carentes de alguma coisa que não percebíamos. Olhando nosso passado é que vemos como somos atrasados no presente. Nos filmes brasileiros antigos, parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias.

E nós, hoje, nesta infernal transição entre o atraso e uma modernização que não chega nunca? Quando o Brasil vai crescer? Quando cairão afinal os "juros" da vida? Chego a ter inveja das multidões pobres do Islã: aboliram o tempo e vivem na eternidade de seu atraso. Aqui, sem futuro, vivemos nessa ansiedade individualista medíocre, nesse narcisismo brega que nos assola na moda, no amor, no sexo, nessa fome de aparecer para existir. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas, ser subdesenvolvido não é "não ter futuro"; é nunca estar no presente.

sábado, 25 de junho de 2016

LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO - E POR FALAR EM LADRÃO DE GALINHAS...

E POR FALAR EM LADRÃO DE GALINHAS...

Luís Fernando Veríssimo
"Os canas pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
- Que vida mansa, heim!, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai pro xilindró! Gritou o delegado.
- Mas não era para eu comer não, não. Era para vender.
- Pior. Venda de produto roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem vergonha! Repetiu a autoridade.
- Mas eu vendia mais caro, eu não concorria não.
- Mais caro? Como assim...
- Espalhei o boato que as galinhas de galinheiro eram bichadas e as minhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons, caipira legítimo.
- Mas eram as mesmas galinhas, safado.
- Os ovos das minhas eu pintava.
- Que grande pilantra... 171. Estelionatário refinado.
Nessa altura da conversa já havia um certo respeito no tom do delegado.
- Ainda bem que tu vais preso. Se o dono do galinheiro te pega...
- Já me pegou. Mas fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Aí convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou melhor, um ovigopólio.
- E o que você faz com o lucro do seu negócio?
- Especulo com dólar, na bolsa... Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros, juiz. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do Governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou vir um cafezinho para o preso e perguntou-lhe se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
- Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
- Milionário ? Não. Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
- E, com tudo isso, o Doutor continua roubando galinhas?
- Às vezes. Sabe como é...
- Não sei não, Excelência. Me explique melhor.
- É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. Do risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova!
- O que é isso, Excelência? O senhor não vai ser preso não.
- Mas fui preso em flagrante delito, pulando a cerca do galinheiro!

- Sim. Mas és primário, e com esses antecedentes... É a Lei Fleuri...

RUBEM BRAGA - RECADO AO SR. 903

Recado ao Sr.  903
de Rubem Braga
"Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador do prédio, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a lei e a polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a leste pelo 1005, a oeste pelo 1001, ao sul pelo Oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão, ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada, e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz."