O Pileque
Leon Eliachar
Airton saiu da boate cambaleando, não viu
quando um automóvel quase o pegou. Não viu, mas ouviu:
Riu sozinho, porque nem levou susto. Olhou
para o alto, viu uma porção de janelas iluminadas, como se fossem manchetes da
solidão que domina Copacabana, às quatro da madrugada. Queria ir pra casa, mas
não se lembrava onde morava. Seus amigos quiseram colocá-lo num táxi:
– Deixa que sei ir sozinho.
Veio andando, andando, sem rumo certo, duas
moças o abordaram:
– Esta sem sono, meu bem?
Airton disse um palavrão, ouviu dois, saiu
resmungando, esbarrou num guarda:
– Tem fogo ai, o meu chapa?
O guarda acendeu seu cigarro, aproveitou
pra filar um, tentou puxar um papo mas Airton preferiu continuar andando. Agora
o dia já estava clareando, o sol vermelho esticava as sombras de algumas
pessoas que começavam a sair e ele ainda nem tinha voltado. Sentou-se no degrau
de um edifício, chegou um homem pra reclamar, dizendo que era contra o
regulamento. Airton achou graça do regulamento, porque o homem era um lavador
de automóveis e estava complemente nu. Levantou-se, sem discutir, levou de
sobra os respingos da mangueira, mas não perdeu a pose:
– Quanto é a lavagem?
Continuou andando, entrou num boteco:
– Média, pão e manteiga .
Comeu devagarinho, pagou, misturou-se com a
multidão de homens e mulheres apressados que tentavam condução para o trabalho.
Sentiu-se diferente dos outros, quis ficar com pena deles, mas acabou com pena
de si mesmo, quando percebeu que estava com um dia de atraso: os outros já
estavam vivendo o dia seguinte e ele ainda estava no ontem .
– Táxi! Táxi!
Saltou na porta de casa, decidido de que
este seria o seu último pileque. Abriu a porta com cuidado, entrou
devagarzinho, sem fazer o menor ruído. A mulher já estava na cozinha,
preparando o café das crianças:
– É você, Airton?
Não teve outro jeito:
– Sou eu. Tive de fazer serão novamente,
acabei num bar com os amigos, juro que foi a ultima vez, meu bem .
A mulher não disse uma palavra, deu-lhe um
copo de leite:
– Acho bom você dormir um pouco, deve estar
muito cansado.
Ele passou pelo quarto dos meninos, deu um
beijo na testa de cada um. O menorzinho acordou, bocejando:
– Você já vai trabalhar, papai?
Sentiu vergonha de ser marido, de ser pai,
de ser chefe de família. Retirou-se para o seu quarto, vestiu o pijama, cerrou
as cortinas, para que a escuridão envolvesse o seu drama. Ficou pensando em
Nina, sua amante, comparou-a com a mulher. Há três anos que a conhecera e há
duas semanas que havia decidido romper, definitivamente, para salvar o seu lar.
Mas não conseguia esquecê-la, dai ter apelado para a bebida. Saia sozinho,
todas as noites, voltava de madrugada, não sabia sequer se a mulher aceitava
suas desculpas ou se o aceitava assim mesmo como era, porque o amava muito. Não
conseguia dormir, não conseguia trabalhar, não conseguia mais nada. Deitava-se
às oito da manhã, levantava-se as duas. Há quinze dias não almoçava nem jantava
em casa e sua família não merecia isso. No escritório, resistia a tentação de
uma reconciliação com “a outra”:
– Diz que não estou.
À noite era um desajustado, um homem incompatibilizado consigo mesmo, tentando lavar com a bebida um passado ainda
recente. Entrava nas boates, juntava o seu drama a outros dramas semelhantes,
na efervescência do álcool. Todos sorriam, mas ninguém levava o sorriso pra
casa. Pior que o cansaço, a insônia. Levantou-se, trocou novamente de roupa,
foi tomar café com a mulher:
– Você não vai dormir, meu bem?
Sentiu-se forte com a doçura e a
compreensão da mulher:
– Não tenho sono, preciso decidir um
negócio muito importante hoje.
Tomaram café, ele saiu apressado. À noite,
trouxe balas para os filhos e flores para a mulher. Jantaram juntos, com luz de
vela. De madrugada, ao lado de seis garrafas de champanha vazias, os dois
estavam caídos, também vazios. Acordaram quase juntos, com o primeiro raio de
sol. Ela apertou sua mão, com um sorriso feliz, ele disse, sem virar o rosto do
chão:
– Meu Deus, já é dia claro, tenho de voltar
pra casa!
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