A GIRAFA
QUE COMPREENDEU LOGO QUE TUDO É RELATIVO
Desorientada como sempre, se pôs a
caminhar às tontas e à maluca daqui para lá, e por mais que se agachasse para
encontrar o caminho, não o encontrava.
Assim, deambulando, chegou a um
desfiladeiro onde nesse momento acontecia uma grande batalha.
Apesar das baixas serem muito altas em
ambos os lados, nenhum estava disposto a ceder um milímetro de terreno.
Os generais arengavam suas tropas com
as espadas no alto, ao mesmo tempo que a neve ficava manchada de púrpura com o
sangue dos feridos.
Entre o fumo e o estrépito dos canhões
se viam caindo sem vida os mortos de um e outro exército, com tempo apenas para
recomendar sua alma ao diabo; porém os sobreviventes continuavam disparando com
entusiasmo até que a eles também chegava sua vez e caíam com um gesto estúpido
que porém na queda acreditavam que a História iria recolher como heroico, pois
morriam para defender sua bandeira; e realmente a História recolhia esses
gestos como heroicos, tanto a História que recolhia os gestos de um como a que
recolhia os gestos de outro, já que cada lado escrevia sua própria História; de
modo que Wellington era um herói para os ingleses e Napoleão era um herói para
os franceses.
Enquanto isso, a Girafa continuou
caminhando, até que chegou a uma parte do desfiladeiro em que estava montado um
enorme Canhão, que nesse preciso instante fez um disparo exatamente uns vinte
centímetros acima de sua cabeça, mais ou menos.
Ao ver a bala passar tão perto, e
enquanto seguia com avista sua trajetória, a Girafa pensou:
“Que bom que eu não sou alta, pois se meu pescoço me disse mais trinta
centímetros essa bala tinha me arrebentado a cabeça; ou bem, que bom que esta
parte do desfiladeiro onde está o Canhão não é tão baixa, pois se medisse trinta
centímetros menos a bala também tinha me arrebentado a cabeça. Agora compreendo
que tudo é relativo”
Augusto Monterroso nasceu
em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México e, depois de muito
observar a fauna daquele país e de outros, se convenceu de que "os animais
se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los
deste". Assim surgiu "A
ovelha negra e outras fábulas", lançado pela Editora Cosac Naify - São
Paulo, 2014, com tradução de Millôr Fernandes, de onde extraímos o texto acima,
pág. 36.
Dele disse o escritor russo que se
criou nos Estados Unidos, Isaac Asimov: "Os pequenos textos de A ovelha negra e outras
fábulas, de Augusto Monterroso, aparentemente inofensivos, mordem os que deles
se aproximam sem a devida cautela e deixam cicatrizes. Não por outro motivo são
eficazes. Depois de ler "O macaco que quis ser escritor satírico",
jamais voltei a ser o mesmo."
Foi agraciado, em 2000, com o Prêmio
Príncipe de Astúrias de Letras. Um dos escritores latinos mais notáveis, Monterroso tem
predileção por contos e ensaios. "O
dinossauro", uma de suas obras mais célebres, é considerado o menor
conto da literatura mundial: "Quando acordou, o dinossauro ainda
estava lá". Augusto Monterroso faleceu em fevereiro/2003.
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