Crônica de Fernando Sabino
Fernando
Sabino. A mulher do vizinho, Rio de Janeiro, 1976.
Era uma esplêndida residência, na
Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e, tendo ao lado, uma bela
piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela
encosta do morro, comprometesse tanto a paisagem.
Diariamente desfilavam diante do
portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata d’ água na cabeça. De vez em
quando surgia sobre a grade a carinha de uma criança, olhos grandes e atentos,
espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e
ficavam olhando.
Naquela manhã de sábado ele tomava
seu gim-tônica no terraço, e a mulher um banho de sol, estirada de maiô à beira
da piscina, quando perceberam que alguém os observava pelo portão entreaberto.
Era um ser encardido, cujos trapos em
forma de saia não bastavam para defini-la como mulher. Segurava uma lata na
mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um bicho. Por um instante as
duas mulheres se olharam, separadas pela piscina.
De súbito pareceu à dona de casa que
a estranha criatura se esgueirava, portão adentro, sem tirar dela os olhos.
Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que ela se
aproximava lentamente: já atingia a piscina, agachava-se junto à borda de
azulejos, sempre a olhá-la, em desafio, e agora colhia água com a lata. Depois,
sem uma palavra, iniciou uma cautelosa retirada, meio de lado, equilibrando a
lata na cabeça – e em pouco sumia-se pelo portão.
Lá no terraço o marido, fascinado,
assistiu a toda a cena. Não durou mais de um ou dois minutos, mas lhe pareceu
sinistra como os instantes tensos de silêncio e de paz que antecedem um
combate. Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
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