crônica de Fernando Sabino
24 de Maio de 2013
A mãe estava na sala, costurando. O
menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e
mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse
– Meu filho? – gritou ela.
– O que é – respondeu, com o ar mais
natural que lhe foi possível.
– Que é que você está carregando aí?
Como podia ter visto alguma coisa, se
nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido, tentou ainda ganhar tempo.
– Eu? Nada…
– Está sim. Você entrou carregando
uma coisa.
Pronto: estava descoberto. Não
adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la.Veio caminhando desconsolado
até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:
– Olha aí, mamãe: é um filhote…
Seus olhos súplices aguardavam a
decisão.
– Um filhote? Onde é que você
arranjou isso?
– Achei na rua. Tão bonitinho, não é,
mamãe?
Sabia que não adiantava: ela já
chamava o filhote de isso. Insistiu ainda:
– Deve estar com fome, olha só a
carinha que ele faz.
– Trate de levar embora esse cachorro
agora mesmo!
– Ah, mamãe… – já compondo uma cara
de choro.
– Tem dez minutos para botar esse
bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para
cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas.
O menino tentou enxugar uma lágrima,
não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado:
A gente também não tem nenhum direito
nesta casa – pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado
desta maneira!
– Que diabo também, nesta casa tudo é
proibido! – gritou, lá do quarto, e ficou esperando a reação da mãe.
– Dez minutos – repetiu ela, com
firmeza.
– Todo mundo tem cachorro, só eu que
não tenho.
– Você não é todo mundo.
– Também, de hoje em diante eu não
estudo mais, não vou mais ao colégio, não faço mais nada.
– Veremos – limitou-se a mãe, de novo
distraída com a sua costura.
– A senhora é ruim mesmo, não tem
coração!
– Sua alma, sua palma.
Conhecia bem a mãe, sabia que não
haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao
fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável:
– Vamos, chega! Leva esse cachorro
embora.
– Ah, mamãe, deixa! – choramingou
ainda: – Meu melhor amigo, não tenho mais ninguém nesta vida.
– E eu? Que bobagem é essa, você não
tem sua mãe?
– Mãe e cachorro não é a mesma coisa.
– Deixa de conversa: obedece sua mãe.
Ele saiu, e seus olhos prometiam
vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça
praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa
– Pronto, mamãe!
E exibia-lhe uma nota de vinte e uma
de dez: havia vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros.
– Eu devia ter pedido cinqüenta,
tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo.
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