segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

CONTO JAPONÊS - O MACACO RETRIBUI UMA BONDADE

O Macaco Retribui uma Bondade”
 Conto Japonês

Há muito tempo, numa vila de pescadores na ilha Kyushu ao sul do Japão, vivia feliz um pescador muito esforçado e trabalhador com sua esposa e seu filho, que ainda era um bebê.
Um certo dia, quando a maré estava baixa, sua esposa colocou o bebê nas costas e saiu com suas vizinhas para recolher as conchas da praia. O tempo estava ótimo naquele dia, então a praia estava repleta de pessoas, todas em busca das conchas perfeitas.
Para facilitar seu trabalho, a esposa do pescador tirou o bebê das costas, deitou-o sobre um cobertor numa grande rocha e pediu ao filho de sua vizinha que o vigiasse. Agora que estava livre do peso do bebê, voltou ao trabalho.
Enquanto recolhia as conchas, ela percebeu que um macaco brincava na praia a alguma distância de onde estavam. Parecia ter vindo de alguma montanha das proximidades. Então disse a uma de suas vizinhas:
-    Olhe aquele macaco ali. O que será que ele está fazendo? Vamos ver mais de perto!
Quando chegaram perto o suficiente, perceberam que uma grande concha havia se fechado numa das patas dele e ele lutava para se livrar dela. E a esposa do pescador disse:
-    Ah! Agora entendi o que está acontecendo. Ele deve ter tentado tirar a carne de dentro da concha e esta se fechou em sua pata.
Resultado de imagem para macaco na praiaA cena era surpreendente, pois quanto mais o macaco tentava tirar a pata dali, mais a concha tentava se enterrar na areia. Algumas pessoas se aproximaram com pedras, decididas a matar o macaco, pois desprezavam tal animal, já que os macacos estragavam plantações e assustavam os animais das fazendas. Mas a esposa do pescador foi tocada pelo sofrimento do pobre animal e pediu que deixassem-no em paz.
Enquanto isso, a maré subia e ondas enormes começaram a estourar na praia, e muitas pessoas que recolhiam conchas foram embora para suas casas. Mas, a bondosa esposa do pescador ajudou o macaco até que se livrasse da concha, e sentida também pela concha, enterrou-a fundo na areia úmida. E disse ao macaco:
-    Vou pedir a você que não roube mais de nossas fazendas.
Parecia que o animal havia entendido seu pedido, e mesmo assim, num segundo, ele pulou até a rocha onde estava o bebê da esposa do pescador, pegou-o com cobertor e tudo e correu em direção às montanhas.
Resultado de imagem para VÁRIAS ÁGUIAS CIRCULANDO NO CÉUA mulher ficou chocada com tamanho gesto de ingratidão. Enfurecida, ela gritava:
- O macaco me retribuiu a bondade com maldade!
E corria atrás dele. Os vizinhos que ainda estavam ali começaram a criticá-la por ter poupado a vida do macaco.
Mesmo com o bebê em seus braços, o macaco corria tão rápido que ninguém conseguia alcançá-lo. Em meio aos prantos daquela mulher para que ele devolvesse o bebê, o macaco subiu numa árvore muito alta e chegou ao galho do topo. As pessoas cercaram a base da árvore, mas não havia nada que pudessem fazer. Um dos pescadores saiu em busca do pai do bebê.
Enquanto isso, o macaco segurava o bebê com seu braço direito e com o esquerdo segurava-se no galho e balançava para cima e para baixo. O bebê, sentindo-se incomodado, começou a chorar e a gritar. Sua mãe, lá embaixo, sentia como se seu coração fosse parar de tanto desespero.
Neste momento, uma águia imensa começou a rondar o céu em volta da montanha. A preocupação daquelas pessoas agora era que a águia pudesse pegar o bebê. A mãe fechou os olhos e começou a pedir que Buda protegesse seu filho.
Quando a águia mergulhou em direção ao bebê, o macaco soltou o galho, que disparou em direção a cabeça da águia, que morreu instantaneamente. O enorme pássaro caiu no chão, e nesse momento o macaco repetiu o que havia feito antes, pois uma segunda águia mergulhava em direção ao bebê. E aconteceu que matou cinco águias da mesma forma. As pessoas do vilarejo assistiam espantadas àquela incrível luta, e finalmente compreenderam que enquanto o macaco lutava para se livrar da concha na praia, ele havia percebido que as águias sobrevoavam a rocha sobre a qual o bebê se deitava, portanto, assim que se livrou da concha, correu para salvar o bebê.
Uma vez terminada a batalha e o perigo fora de alcance, o macaco desceu da árvore e deitou o bebê aos pés da mãe, e voltou para o topo da árvore. Quando o pai do bebê chegou, tudo já havia sido resolvido, e as pessoas da vila se alegraram e comemoraram juntas o final feliz de uma história que parecia só poder ter um fim trágico, e voltaram às suas casas.
O pescador, por sua vez, obteve grande lucro com os mercadores locais, pois vendeu cada uma das penas das cinco águias que o macaco havia derrotado.

CONTO CHINÊS - O CARNEIRO QUE SE PERDEU NAS RAMIFICAÇÕES DA ESTRADA

“O Carneiro que se Perdeu nas
Ramificações da Estrada”

CONTO CHINÊS

O Período da Guerra entre os Estados na China foi um período em que muitos pensadores famosos viveram. Haviam inúmeros grandes sábios naquela época, e entre eles, Yang-Chu, mais conhecido como Yang-Tse.
Acontece que Yang-Tse defendia a teoria do interesse e respeito próprio. Sua filosofia era oposta à de Mao-Tse, seu contemporânea, que defendia o amor universal altruísta e o conceito de benevolência. Yang-Tse acreditava que cada pessoa devia muito a si mesma.
Outro contemporâneo, Mencius, criticava fortemente Yang-Tse dizendo que Yang-Tse não faria o mínimo esforço para tecer crítica alguma ao mundo. Entretanto, Yang-Tse estava realmente enfatizando a importância da auto-estima e do interesse em si mesmo num sentido holístico.
A fábula que será contada aqui vem de seus escritos, os quais tiveram forte influência sobre Lao-Tse.
Houve um dia em que um dos vizinhos de Yang-Tse perdeu um de seus carneiros. O vizinho enviou todos os seus empregados em busca do carneiro, e ele mesmo os acompanhou. Quando soube do que se passava, Yang-Tse ficou muito surpreso e disse ao vizinho:
-   Você perdeu apenas um carneiro. Por que está mobilizando tanta gente para procurar um só animal?
E o vizinho respondeu:
-   É porque há tantas bifurcações e ramificações que saem desta estrada que eu não sei qual delas ele poderia ter seguido. Assim, preciso mandar uma pessoa procurar em cada uma delas.
Yang-Tse sentiu-se tocado e mandou seu próprio servo ajudá-los na busca pelo carneiro. Após um dia inteiro de busca sem resultados  o servo voltou. Yang-Tse perguntou-lhe se haviam achado o carneiro ou não. E o servo disse que não.
Yang-Tse ficou ainda mais surpreso e perguntou:
-    Como é que tantos homens podem sair em busca de um animal e não conseguirem achá-lo?
Seu servo respondeu:
-   Além das muitas ramificações que saem da estrada que sai logo de frente da casa de nosso vizinho, há muitas ramificações que se originam de cada ramificação da estrada principal. É impossível prever qual foi o caminho que o carneiro seguiu. Assim, devemos voltar e procurar em cada um deles e cada vez mais longe devido ao tempo que ele já transcorreu.
Yang-Tse agora parecia estar profundamente conturbado. Ele caiu em silêncio e concentrou-se em seus pensamentos. Seus discípulos, tendo testemunhado o ocorrido, ficaram preocupados e decidiram ir ter com ele.
Mestre! É só um carneiro perdido, e ele nem mesmo é seu carneiro. Esse assunto não deveria tomar seu tempo ou se tornar uma preocupação para o senhor.
Yang-Tse os encarou nos olhos e disse:
-    Vocês não compreendem nada! O que me entristece não é o carneiro que se perdeu, mas as bifurcações que fizeram com que ele se perdesse, é para elas que dirijo o meu pensamento. O mesmo acontece com nossos objetos de estudo. Quando os seguimos, se nos faltar concentração e determinação, se nos faltar uma direção, buscando nosso conhecimento sem um objetivo claro, não seremos como o carneirinho que se perdeu nas ramificações da estrada? Não estaremos desperdiçando o tempo precioso de nossas vidas? E quando falo de nosso conhecimento e sabedoria, não devemos nos esforçar para atingir um objetivo grande demais, ou tentar obter muitas coisas ao mesmo tempo, pois, se assim o fizermos, havemos de nos perder assim como o pobre carneirinho, e ninguém conseguirá nos achar para nos trazer de volta.

CONTO CHINÊS - O VELHO CAVALO CONHECE O CAMINHO

“O Velho Cavalo Conhece o Caminho”
 Conto Chinês

No período da Guerra dos Estados, o Reino de Shan-Yung invadiu o Reino de Yen.
Por ser amigo do Rei de Yen, o Príncipe de Chi mandou suas tropas para ajudar o Reino de Yen e salvar o povo da derrota. Com a junção das forças de Yen e Chi, o exército de Shan-Yung foi derrotado. Mas o Rei de Shan-Yung estava determinado a vencer aquela guerra. Ele pediu reforços de seu aliado, o Reino de Ku-Chu, para que pudesse se vingar, e recebeu os reforços. Mas os soldados de Ku-Chu também foram derrotados pela defesa de Yen e Chi.
Assim, o Rei de Ku-Chu nomeou Huang-Hua seu general e ordenou que fosse ao estado de Chi e oferecer a captura do Rei de Ku-Chu. O Príncipe de Chi ficou lisonjeado com tal gesto e permitiu que seus soldados saíssem sob o comando do general Huang-Hua.
Resultado de imagem para estepes geladasEntão o general levou as tropas ao deserto de Han-Hai, onde não havia vegetação alguma, não havia água ou uma criatura viva sequer. E, para piorar a situação, eles estavam no pico do inverno. Os soldados estavam fracos e gravemente debilitados pelo frio, e quando o Príncipe de Chi percebeu que algo estava errado, o general Huang-Huan desapareceu. Era noite, e decidiu planejar a próxima estratégia pela manhã.
Ao amanhecer, muitos soldados haviam morrido congelados durante a noite. Os que restaram perceberam que logo morreriam de frio ou de fome. As formas do deserto mudavam com o vento e não havia como encontrar o caminho de volta, já que nenhum deles havia estado ali antes.
Entre eles estava o primeiro ministro Kuan-Chung, que lembrou-lhes do fato de que os cavalos são os animais que possuem a melhor memória dos caminhos por eles já percorridos. Nesta habilidade, dizia-se que eles ultrapassavam a mente humana muitas vezes.
Sem qualquer outra alternativa o Príncipe de Chi concordou em deixar que os cavalos os levassem de volta. Soltaram as rédeas de todos os cavalos, e eles, como dito por Kuan-Chung, guiaram as tropas de volta ao reino em segurança.
         Ao chegar de volta ao reino, o Príncipe de Chi honrou o mais velho de todos os cavalos, que guiou a viagem, dizendo:

-    Aprendemos com esse evento que até o mais velho e fraco dos animais possui suas virtudes e sua força. A virtude do cavalo está no fato de que não importa onde ele esteja ou até onde ele viaje, ele sempre se lembrará de onde veio e por que caminhos trilhou. Por mais longe que este vá, ele sempre saberá quando e por onde voltar.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

CONTO COREANO - A FALSA INGRATIDÃO DA SERPENTE

“A Falsa Ingratidão da Serpente”
Conto Coreano

Há muito, muito tempo, houve uma grande inundação, tal como nunca havia sido vista. O rio Dedong transbordou e levou muitas casas em meio à correnteza. Os campos se transformaram em vastos lagos, os habitantes e seus animais pereceram.
Resultado de imagem para desenho de carneiro.GIFTUm senhor de idade em Pyongyang vinha remando em seu pequeno barco. No caminho, encontrou um carneiro em plena exaustão tentando nadar e conseguiu salvá-lo. Também encontrou uma serpente boiando, e trouxe-a para o interior de seu barco. Um pouco mais à frente, havia um menino nadando, que também foi trazido para o seu barco. Quando chegou em terra firme, soltou o carneiro e a serpente. O menino havia perdido pai e mãe na inundação, e o homem decidiu adotar o menino.
Resultado de imagem para menino nadandoUm certo, dia o carneiro retornou e começou a puxar a manga da camisa do homem, tentando levá-lo a algum lugar. O homem seguiu o carneiro. Depois de algum tempo de caminhada, chegaram a uma rocha e o carneiro batia as patas contra ela. O homem imaginou que algo estivesse sob a rocha e começou a cavar. Ali estava enterrado um jarro repleto de ouro e prata. Então levou o jarro consigo, agora ele era um homem rico!
Seu filho adotivo cresceu e se tornou um homem arrogante, e começou a gastar dinheiro com extravagância. Embora tentasse advertir e educar o menino, ele respondia com grosserias e agressividade. O jovem decidiu que deveria morar sozinho, mas seu pai tentou impedi-lo. O jovem irou-se contra seu pai adotivo e foi às autoridades locais acusando seu pai de roubo, dizendo:
-    Meu pai adotivo roubou uma fortuna e inventou uma história de que um carneiro havia lhe dado tal dinheiro. Ninguém acreditaria em tal absurdo!
O oficial foi à casa do homem e ouvindo a história de que o carneiro havia lhe mostrado um tesouro enterrado, levou o homem preso.
Aquele homem sabia que um dia teria de ser solto, pois ele não havia cometido crime algum, então passava os dias esperando que algo acontecesse.
Uma certa noite a serpente que ele havia salvo da enchente foi à cela,  picou o homem no braço e foi embora. O braço do homem inchou rapidamente sob o efeito do veneno e a dor se tornou insuportável. E ele dizia a si mesmo:
-    Aquela serpente me pagou o bem que lhe fiz com o mal! Serpente ingrata!
Porém, pouco tempo depois, a serpente voltou à cela do homem carregando um recipiente. Ela aplicou o conteúdo no braço do homem e o inchaço se foi e a dor também passou. O homem estava curado! E mais uma vez a serpente desapareceu.
Resultado de imagem para serpente na águaPela manhã, o homem escutou uma grande comoção no lado de fora da cela. Ele ouviu que a esposa do oficial havia sido picada por uma serpente durante a noite e parecia estar morrendo pelo efeito do veneno. Então ele chamou o oficial e disse que tinha a cura para sua esposa. Ele foi levado até a casa do oficial e aplicou a loção no local da picada, e instantaneamente foi curada. Por gratidão, o oficial deu a liberdade ao homem.
O filho adotivo foi preso por suas mentiras e por sua ingratidão.

E assim, como o dócil carneiro, a misteriosa serpente encontrou uma forma de pagar o bem que aquele homem havia lhe feito com um gesto de grande gratidão.

CONTO CHINÊS - A PUPILA DO DRAGÃO

“A Pupila do Dragão”
 Conto Chinês

Resultado de imagem para OBRA DE CHIANG.GIFTDurante a Dinastia Sung (1127-1279d.C.), viveu um dos três maiores pintores do reino de Liang, seu nome era Chiang. Como o Budismo era a religião prevalente daquele período, Chiang pintava, entre muitas outras coisas, murais nos templos budistas nas cidades do campo.
Um certo dia, Chiang visitou um famoso templo chamado Anlo Shih. O abade daquele templo, reconhecendo Chiang e já sabendo de sua fama, pediu que pintasse alguns murais para melhorar a aparência do templo e os visitantes se sentiriam mais atraídos pelo lugar.
Em princípio, Chiang estava relutante em aceitar tal trabalho, mas o abade persistia tanto e o eleogiava tanto, que Chiang finalmente concordou em fazê-lo.
Ele estudou minuciosamente as paredes do hall principal do templo e pintou um grande dragão em cada uma delas. Quando o trabalho havia terminado, os dragões pareciam tão reais que quem olhasse tinha a nítida impressão de que eles estavam realmente vivos. Seus focinhos abertos, chama e fumaça saiam de suas narinas, e parecia que com um grande grito, todos eles deixariam as paredes e ascenderiam aos céus. Todos os turistas e visitantes que por ali passavam, paravam para admirar tal arte, mas parecia que algo estava faltando. Parecia que Chiang havia se esquecido de pintar as pupilas dos dragões!
Então, as pessoas pediram que Chiang viesse completar a pintura, para que os dragões estivessem maravilhosamente completos em cada detalhe. Mas, para a surpresa de todos, Chiang negou o pedido e disse:
-    Não é que eu esteja negando o seu pedido, a realidade é que se eu pintar as pupilas dos dragões, eles imediatamente sairão das paredes e ascenderão aos céus.
Resultado de imagem para mural do dragão.GIFTMas as pessoas se recusavam a acreditar naquilo, e achavam que ele estava sendo esnobe, deixando seu trabalho incompleto num detalhe de tal importância. Então, redobraram os pedidos, e com eles, os elogios. Com tantas palavras gloriosas, Chiang acabou por concordar. Pegou seu pincel e pintou as pupilas do primeiro dragão.
E aconteceu que não houve nem mesmo tempo suficiente para que o abade e os visitantes apreciassem o término do trabalho do artista. No momento em que os olhos do primeiro dragão foram pintados, aqueles mesmos olhos se moveram e o céu escureceu. Um grande trovão soou e o hall brilhou com a grande chama que saiu de suas narinas. O dragão saiu da parede e ascendeu às nuvens, desaparecendo na imensidão dos céus!
Os outros três dragões, sem suas pupilas pintadas, permaneciam imóveis e silenciosos nas outras paredes. E não houve mais um pedido sequer para que se pintasse as pupilas deles.

“Qualquer que seja a criação, esta se define em um único ponto central. Uma vez alcançado o ponto, a criação ganha vida.”

CONTO JAPONÊS - O COELHO BRANCO DE INABA

“O Coelho Branco de Inaba”
 Conto Japonês

O deus que era Mestre da Grande Terra tinha oitenta irmãos, os quais também eram deuses. Todos os oitenta irmãos deixaram as terras do Mestre da Grande Terra, pois todos eles desejavam se casar com a Princesa Yakami, de Inaba. Então, juntos, saíram em sua jornada rumo a Inaba, colocando nas costas de seu meio-irmão, o deus Possuido.
Quando chegaram ao Cabo Keta, encontraram um coelho deitado, sem pele, e disseram a ele:
-    Você deve se banhar nesta água do mar e depois deitar-se no topo da montanha para que o vento o seque.
O coelho seguiu as instruções dos deuses, mas quando a água do mar secou, o que restava de sua pele começou a fissurar, e o pobre coelho chorava em profunda dor. Mas o deus Possuidor do Grande Nome, que carregava todo aquele peso, passou por último, vendo o pobre animal, perguntou:
-    Por que você chora?
E o coelho respondeu:
-    Eu estava na Ilha de Oki e desejava atravessar o mar até aqui, mas não havia meios. Por isso, enganei os crocodilos dizendo-lhes, “Vamos competir qual tribo tem maior número de animais. Vocês devem se alinhar até o Cabo Keta, formando uma fila, e eu pularei de um em um e lhe darei o número exato de membros. Assim, saberemos se há mais crocodilos em sua tribo do que coelhos na minha”. Então eles se alinharam e eu pulei sobre cada um deles. Quando eu estava chegando ao fim da linha, eu lhes disse, “Eu enganei vocês!” E o último crocodilo me pegou e dilacerou minha pele. Eu estava deitado, lamentando o ocorrido quando os oitenta deuses passaram e me disseram para banhar-me na água do mar e deitar-me ao vento. Eu fiz exatamente o que disseram, e agora estou aqui com meu corpo todo ferido!
Então, o deus Possuidor do Grande Nome disse:
-    Vá rapidamente até a nascente do rio e role de um lado para o outro e seu corpo será completamente restaurado.
E o coelho fez exatamente o que o deus o havia instruído. Aquele era o Coelho Branco de Inaba, o deus Coelho.
E o Coelho disse então ao deus Possuidor do Grande Nome:
-   Nenhum daqueles oitenta deuses se casará com a Princesa Yakami. Embora carregue a bagagem, será você que se casará com ela.
Neste mesmo instante, a Princesa Yakami respondia ao pedido dos oitenta deuses:
-    Não me casarei com nenhum de vocês. Eu me casarei com o Possuidor do Grande Nome.
Os oitenta deuses ficaram furiosos e decidiram acabar com o Possuidor do Grande Nome. Chegando ao Monte Tema, eles disseram ao Possuidor do Grande Nome:
-    Nesta montanha, vive o grande javali vermelho. Nós iremos espantá-lo lá de cima e quando ele descer, você deverá segurá-lo. Se você não o fizer, nós acabaremos com a sua vida.
Assim dizendo, subiram ao topo da montanha, onde pegaram uma rocha em forma de javali, acenderam uma grande chama em volta dela e rolaram-na montanha abaixo.
Quando eles desceram, avistaram o Possuidor do Grande Nome preso entre a rocha em chamas e uma árvore, e ele estava morto.
Em vista da grande atrocidade cometida ao bom deus, a Princesa Concha e a Princesa Ostra levaram água do mar e lavaram o corpo do deus. Ele se tornou um belíssimo jovem e se levantou.
Ao avistá-lo vivo os oitenta deuses novamente enganaram o Possuidor do Grande Nome, levando-o para as montanhas, onde o torturaram até a morte.
Seus pais, lamentando mais uma vez a morte de seu filho, devolveram-lhe a vida e disseram:
-    Se você permanecer aqui será mais uma vez destruído pelos oitenta deuses.
Resultado de imagem para deus bebe da boa sorte.GIFTE mandaram-no rapidamente ao palácio do Príncipe da Grande Casa, na terra de Ki. Lá, os oitenta deuses tentaram destruí-lo, e por algum tempo continuaram tentando, mas falharam.
O Possuidor do Grande Nome finalmente chegou à terra de Inaba e desposou a Princesa Yakami, que lhe deu um filho, o deus da Boa Sorte.

CONTO VIETNAMITA - A FIDELIDADE DE UM TIGRE

“A Fidelidade de um Tigre”
 Conto Vietnamita

Dizem que esta história ocorreu no período em que o Vietnam era governado pela China. Nesse período, alguns oficiais chineses tratavam os vietnamitas com grande crueldade, a ponto de tirar muitas vidas.
Resultado de imagem para oficial vietnamita de alto escalãoLe Minh, um oficial de alto escalão, cuja esposa e filhos haviam sido assassinados e seus soldados presos, foi forçado a se esconder na floresta para escapar da grande perseguição.
Le Minh construiu uma cabana no lugar mais desolado e selvagem da floresta. Ali, ele vivia sozinho em grande tristeza e profundo desespero. Ele sabia que nunca teria a oportunidade de se vingar.
    Para que pudesse ganhar a vida, ele cortava madeira e a vendia. Todas as manhãs, ele pegava seu machado e adentrava a floresta para trabalhar. Após ter deixado sua cabana numa certa manhã, ele ouviu um terrível grito de agonia subitamente. Começou a procurar a fonte de tais gemidos e achou um tigre preso pelo peso de uma árvore que havia caído sobre ele. O animal tentava escapar, mas o tronco era pesado demais. Então, Le Minh cortou o tronco da árvore e libertou o pobre animal. Agora livre, o tigre virou-se para seu salvador e se curvou, em sinal de agradecimento, e se foi.
Na manhã seguinte, saindo para trabalhar, para sua grande surpresa, Le Minh encontrou à sua porta um carneiro e alguns coelhos mortos. Levou-os até o mercado e ganhou um bom dinheiro por eles. E a partir daquele dia, encontrava caças à sua porta todas as manhãs. O dinheiro que ele passou a ganhar com aqueles animais facilitou muito sua vida.
Uma certa manhã, para maior surpresa, além dos animais mortos, encontrou também alguns chineses mortos. Le Minh percebeu que alguém estava se vingando por ele e ficou muito feliz. Então ele saiu para enterrar os corpos, quando uma tropa de soldados chineses o avistou. Acusado de assassinato, Le Minh recebeu sua sentença de morte.


Naquela noite, o silêncio sombrio da floresta foi quebrado por um alto e agonizante grito. Mais uma vez, era o grito do tigre, mas desta vez, não por um mero acidente, mas porque seu benfeitor estava morto. Gentilmente, o tigre cavou uma sepultura e enterrou o corpo de seu amigo.
O tigre saiu à caça dos assassinos de Le Minh e destruiu todos eles. Enterrou-os ao lado de seu herói vietnamita. E assim, lealmente devolveu o gesto de salvação e de amizade prestados por Le Minh.
Então, a partir daquele dia, as pessoas que viviam naquela área ouviam o choro do tigre pela perda de seu benfeitor. Mas, um dia, o choro não mais foi escutado. O tigre havia morrido e seu corpo foi encontrado sobre o túmulo de seu herói Le Minh.

CONTO DO VIETNAN - O ANJO QUE SE TORNOU UM BOI

“O Anjo que se Tornou um Boi”
Conto do Vietnam

Quando o planeta Terra foi criado, a terra era vazia. Não havia, plantas, árvores, ou vegetação alguma. O homem tinha uma vida muito dura e mesmo assim, não era capaz de produzir o suficiente para a sua própria alimentação. Às vezes, comia a cada três dias, às vezes, a cada cinco ou seis dias. Estava sempre faminto, embora trabalhasse dia e noite. A verdade é que o homem era digno de piedade.
Resultado de imagem para ANJO.GIFTO Imperador Celeste sentia muito pela dificuldade do homem, e além de desejar prover alimento, também desejava tornar o planeta mais bonito. Então, pensou por algum tempo e fez seu plano. Ele reuniu todos os seus anjos no palácio, e disse:
-   Quem, dentre todos vocês, deseja me ajudar a levar alegria aos homens da Terra, que estão vivendo em terrível dificuldade?
Um dos anjos, chamado Kim Quang, rapidamente se fez voluntário e, com grande interesse, ofereceu concretizar o plano do Imperador Celeste.
Assim, O Imperador Celeste entregou a Kim Quang duas cestas pesadas, presas a ambos os lados de uma vara de bambu. Uma das cestas estava cheia de grãos de arroz e a outra, de grama. O Imperador instruiu Kim Quang a plantar primeiramente todos os grãos de arroz na terra, e o espaço que houvesse ficado vazio, deveria ser cultivado com a grama da outra cesta.
-    Se você fizer exatamente o que lhe disse, eu te recompensarei. Mas, se você desobedecer minha ordem, eu certamente te punirei.
Kim Quang rapidamente concordou com as condições e seguiu em direção à Terra.
Chegando lá, ele plantou toda a grama, que cresceu bela e rapidamente pela superfície da Terra. Quando o anjo distraído se deu conta da ordem que havia recebido, já era tarde demais para reparar o dano, pois havia sobrado uma pequena área de campo para plantar os grãos de arroz.
Resultado de imagem para BÚFALO.GIFT
Descobrindo o que havia acontecido na Terra, o Imperador Celeste irou-se com a incompetência de seu anjo. Então, com seus poderes mágicos, transformou Kim Quang em um búfalo, para que pudesse reparar o solo para o plantio. Ele prometeu ao búfalo que quando ele tivesse removido toda a grama do solo para que este fosse cultivado com alimento, ele poderia voltar aos Céus e tornar-se um anjo novamente.

Mas, aquele dia nunca chegou…

“EM BUSCA DO NOIVO-RATO” Conto Coreano

“Em Busca do Noivo-Rato”
Conto Coreano

Era uma vez uma ratinha, que por ser a primeira filha da família e já ter atingido certa idade, seus pais decidiram que era momento de escolher-lhe um noivo. Seus pais estavam decididos a encontrar o noivo mais poderoso de todo o universo, pois não aceitariam menos que isso para a sua filha, que era tão bela e de boas maneiras.
Então, um certo dia, seus pais vestiram-se muito bem e foram conversar com o Sol.
-   Bom dia, Sr. Sol. Nossa filha mais velha está em idade de se casar e viemos oferecer-lhe sua mão em casamento, pois sabemos que o senhor é o ser mais poderoso do universo.
-   Senhor e senhora Rato, pode-lhes parecer que eu seja o mais poderoso de todos, mas o Sr. Nuvem, por exemplo, quando passa à minha frente, ofusca meu brilho. Creio que ele seja o ser mais poderoso do universo.
Então, os pais da ratinha saíram em busca do Sr. Nuvem.
-    Bom dia, Sr. Nuvem. Nossa filha mais velha está em idade de se casar e viemos oferecer-lhe sua mão em casamento, pois o Sr. Sol nos disse que o senhor é o ser mais poderoso do universo.
-   Senhor e senhora Rato, pode-lhes parecer que eu seja o mais poderoso de todos, mas o Sr. Vento, que parece inofensivo, quando sopra, leva-me para onde bem quiser. Creio que ele seja o ser mais poderoso do universo.
Novamente, decidiram ir em busca do mais poderoso e, desta vez, era o Sr. Vento.
-    Bom dia, Sr. Vento. Nossa filha mais velha está em idade de se casar e viemos oferecer-lhe sua mão em casamento, pois o Sr. Nuvem nos disse que o senhor é o ser mais poderoso do universo.
-    Senhor e senhora Rato, pode-lhes parecer que eu seja o mais poderoso de todos, mas existe um imenso Buda de pedra que, por mais que eu sopre, ele nunca cede, cai ou se move. Creio que ele seja o ser mais poderoso do universo.
Mais uma vez, os pais da ratinha continuaram sua busca.
-    Bom dia, Sr. Buda de pedra. Nossa filha mais velha está em idade de se casar e viemos oferecer-lhe sua mão em casamento, pois ouvimos dizer que o senhor é o ser mais poderoso do universo.
-    Senhor e senhora Rato, pode-lhes parecer que eu seja o mais poderoso de todos, até porque eu não caio e não me movo. Porém, existe um pequeno ser, que apesar de pequeno, é o único que tem colocado em risco minha posição. É um ratinho jovem, que por algum tempo tem cavado e roído a base de minha estrutura. Seu poder sutil ainda me fará desmoronar. Posso afirmar-lhes com toda a certeza de que ele é o mais poderoso ser de todo o universo.

Resultado de imagem para RATINHA DE DESENHO ANIMADO BONITA.GIFTO senhor e senhora Rato ficaram imensamente felizes, pois finalmente perceberam que o noivo mais apropriado para sua adorável filha era um jovem rato. Conversaram com o jovem e naquele mesmo dia, ao entardecer, sua filha se casou com o ser mais poderoso do universo. Casou-se com aquele que havia provado seriedade e confiabilidade quando o assunto é ser um Rato de verdade.

CONTOS NÓRDICOS: O ROUBO DO HIDROMEL POR PH ALVES

Contos Nórdicos: O   Roubo Do Hidromel
por PH Alves


Hidromel, a bebida dos deuses, teve uma origem um tanto curiosa. Segundo a lenda, tudo começou com Kvasir, um deus obscuro, cuja personalidade e atributos perderam-se nas brumas do tempo. Sabe-se, apenas, que nasceu de uma forma um tanto extravagante, quando Aesires e Vanires, deuses adversários, fizeram uma trégua em sua disputa e se reuniram para selar um pacto de paz. Cada qual, nesta ocasião, cuspiu dentro de um vaso cerimonial e, da reunião de todas as salivas, surgiu Kvasir.
Este deus, contudo, acabou morto por dois anões chamados Fialar e Galar, que cobiçavam a sua sabedoria, seu atributo principal. Durante a noite, enquanto dormia, o deus foi apunhalado pelos dois perversos irmãos, tendo seu sangue sido recolhido por eles e colocado num caldeirão. Depois, tão logo chegaram em casa, misturaram-no a uma porção de mel e o fermentaram até obter o saboroso hidromel, bebida mágica que confere o dom da poesia a todo aquele que a bebe.
Durante muitos anos, os dois perversos anões gozaram das delícias desta bebida, a qual, infelizmente, se tivera o dom de torná-los poetas, não tivera o de torná-los melhores, pois continuaram a cometer, alegremente, as suas torpezas até que numa delas, mataram, por um motivo incerto, um casal de gigantes. Suttung, o filho destes, entretanto, descobriu os autores do crime e foi logo tirar satisfações, exigiu, sob pena de morte, que lhe entregassem, como reparação, o precioso caldeirão, o que eles tiveram o juízo de fazer sem pestanejar. Desde então, foi o gigante quem passou a saborear este néctar – e podemos, perfeitamente, imaginar que tenha se tornado também, senão um grande poeta, ao menos um poeta grande.
Ora, estando então entendido, é preciso dizer, agora, que este gigante tinha uma bela filha chamada Gunnlod. Era ela a guardiã do caldeirão, passando o dia e a noite inteiros a cozinhar e a provar a aromática bebida – o que, por conseqüência, deve tê-la tornado a maior poetisa de todos os tempos. Todos os dias seu pai, Suttung, passava pela caverna, onde Gunnlod morava para provar um pouco do hidromel.
- Ó linda guardiã do hidromel, isto está cada dia mais delicioso! – dizia ele, dando um beijo na filha e saindo, em seguida, para os seus afazeres.
Era este o melhor momento do dia, quando Gunnlod tinha a consciência de estar livre das companhias indesejadas, tendo pela frente apenas o seu delicioso ofício, o qual exercia na mais perfeita solidão das profundezas de sua caverna – um magnífico salão recoberto de estalactites vermelhos e iluminado por tochas e quartzos que esplendiam por todas as concavidades como milhares de vaga-lumes prateados engastados nas rochas. Esta sensação enchia a jovem de tamanha alegria, que ela se punha, imediatamente, a pular descalça, feito uma menina, pelos corredores e salões de pedra de seu paraíso subterrâneo, sabendo que estava livre dos problemas relesmente mundanos que afligiam ao povo da superfície.
Esta afeição de Gunnlod por subterrâneos – que destoava um pouco da sua condição de giganta – levava, muitas vezes, o pai a chamá-la, afetuosamente, de minha duendezinha. Isto, contudo, ao invés de aborrecê-la, a enchia ainda mais de orgulho: – Tenho, realmente, a alma de um duende! – dizia sempre, satisfeita.

***

Por esta época, entretanto, já andava pelo mundo um deus, ainda muito jovem, mas que já era sábio e dinâmico o bastante para ter criado muitas coisas. Seu nome era Odin e poucos desconheciam o seu poder e inteligência. Por muito tempo, intrigara-o o caso do infeliz deus Kvasir, morto pelos anões. Todos, em Asgard, sabiam da tragédia e a grande especulação estava voltada para o fato de se saber onde andaria o tal caldeirão do hidromel, pois todos queriam provar desta maravilhosa bebida.
- Odin, somente você poderá nos trazer este deleite supremo! – diziam-lhe todos, confiando no seu gênio e na sua capacidade de conseguir o que queria.
Depois de tanto ser aborrecido com esta história, Odin decidiu-se, afinal, a ir procurar pela tal bebida. O deus seguiu a pista dos anões e, após havê-los encontrado, conseguira arrancar deles a história dos seus crimes.
- Onde está o hidromel, vermezinhos? – disse ele, ameaçando-os com uma terrível punição. Os anões confessaram que Suttung, o filho dos mortos, havia-o levado, o que bastou para Odin dar-lhes as costas e os deixar chacoalhando os joelhos em cima de duas pequenas poças amarelas. O deus dirigiu-se, imediatamente, para as terras de Suttung. Já ia a meio do caminho, quando passou por um campo onde havia nove homens ceifando. Eram os lavradores de Baugi, o irmão de Suttung. Odin percebeu, logo, que as foices que eles usavam estavam completamente cegas.
- Ei, campônios, não querem amolar as suas foices? – disse ele, com um grito.
- Oh, sim! claro que queremos! – responderam, aliviados.
Odin não levou muito tempo para torná-las tão afiadas como eram no dia em que saíram da forja, graças à sua afiadíssima pedra de amolar.
- Esta sua pedra é mágica! Dê-a para nós! – exclamou um deles.
- Claro, aqui está – disse Odin, lançando-a para eles.
Imediatamente, todos se precipitaram para apanhá-la. Na confusão, entretanto, foram com tanta gana à pedra, que se engalfinharam numa briga tremenda, terminando todos estendidos no solo com as gargantas cortadas.
- Oh, deuses, que lástima! – disse Baugi, o senhor dos nove servos mortos.
- Não se aflija – disse Odin, adiantando-se. – Terminarei o serviço deles em troca, apenas, de uma deliciosa taça de hidromel.
- Quem é você, afinal, homem da pedra que mata? – disse Baugi, intrigado.
- Meu nome é Bolverk – respondeu Odin, começando a ceifar o campo.
(Bolverk quer dizer “perverso”, mas Baugi não foi atilado o bastante para se dar conta do perigo.)
- Infelizmente, o caldeirão onde ferve o hidromel está sob o controle do meu irmão – disse Baugi, cocando a cabeça, mas vou falar com ele e ver se consigo arranjar-lhe uma taça.
- Faça isto, meu amigo – disse Odin, de cabeça baixa e afetando indiferença.
Odin ceifou todo o campo – o que lhe custou um bocado de tempo – até que, finalmente, concluiu sua tarefa.
Infelizmente, Baugi não conseguira nada com o irmão, que não queria ceder nem um único gole da preciosa bebida.
Odin e Baugi decidiram, então, recorrer à astúcia para que o primeiro pudesse se apoderar do seu justo prêmio.
- Mas me prometa que se servirá somente de uma pequena taça! – disse Baugi ao colega, que prometeu, prontamente, com um sorriso oculto nos lábios.

***
O irmão de Suttung conduziu Odin pelas regiões elevadas onde ficava a caverna de Gunnlod, a guardiã do hidromel. Era uma grande cordilheira que eles percorreram a custo até chegar ao seu objetivo, quase ao final do dia.
- É aqui, ceifador incansável – disse Baugi, apontando para uma pequena entrada escavada na rocha bruta. – No mesmo instante, começaram ambos a escavar com picaretas, pois a entrada estava bloqueada por um rochedo, que somente Gunnlod, de dentro, podia remover por um mecanismo especial. Depois de terem atravessado um paredão inteiro e muitos túneis, chegaram, afinal, à gruta subterrânea onde Gunnlod se refugiava.
- Agora, você segue sozinho – disse-lhe Baugi, temeroso de ser descoberto.
- Está bem, dono dos nove servos – disse Odin, sem nem lhe agradecer, pois o perfume inebriante da bebida já começava a lhe transtornar os sentidos. Odin foi avançando até que sua cabeça brotou do alto por uma fenda, o que lhe possibilitou descortinar um panorama, verdadeiramente deslumbrante: a grande gruta do caldeirão, com seus estalactites vermelhos e as tochas a reverberar pelas paredes faiscantes. Bem ao centro, estava o caldeirão fumegando, embora a guardiã estivesse ausente.
“É agora a grande chance!”, pensou o jovem deus, começando a descer pelo paredão com a agilidade de um verdadeiro alpinista. Infelizmente, porém, quando recém havia posto o primeiro pé no chão, teve a desagradável – ou seria agradável? – surpresa de ver surgir Gunnlod por uma entrada lateral.
- Oh, quem é você, escalador de paredes? – gritou ela, fazendo sua voz ecoar pelos paredões escarpados.
- Nada tema, bela jovem – disse Odin, aproximando-se. – Só quero provar um pouco de sua divina bebida.
Gunnlod sentiu-se, instantaneamente, atraída por aquele belo e esbelto intruso. Mas a sua missão de guardiã falou mais alto e ela, como que despertando de um transe, empertigou-se toda. Na sua mão direita havia um arco com uma flecha pronta para o disparo.
- Não acha que eu mereço ao menos um gole pela façanha de devassar o seu belo esconderijo? – disse ele, com um sorriso maroto.
- Fora daqui – gritou ela -, e não vou repetir duas vezes.
- Calma, bela guardiã; na verdade, estou aqui apenas para receber o pagamento por um trabalho feito a seu tio e, por extensão, a seu pai egoísta.
- Como ousa?…
- Sim, egoísta, pois trabalhei para seu tio pelo preço de uma taça de hidromel e, agora, o pérfido Suttung não quer cumprir a sua parte.
- Modere a sua língua, invasor de cavernas!
- Acalmemo-nos, bela Gunnlod – disse, então, Odin, dando um tom conciliatório à sua voz. – Se não quer me dar a bebida, pronto, não dê!… Não pretendo forçá-la a nada. – Odin avançou ainda mais e estava já a ponto de encostar seu peito ao dela, quando Gunnlod ergueu de novo a sua seta. Mas a mão dele a impediu, suavemente, de realizar o disparo. – Já não lhe disse que não vou obrigá-la a nada? – disse ele, enfatizando a última palavra.
Os dois ficaram olhando-se durante um bom tempo, até que Odin colou os seus lábios aos de Gunnlod. O aroma do caldeirão envolvia a ambos numa fumaça avermelhada que dissipou qualquer resistência que pudesse haver no coração da jovem guardiã que, em momento algum, teve consciência do seu fracasso, senão, de que algo, infinitamente mais belo que uma simples missão apresentara-se em sua vida.
Depois de muito tempo, Odin, tendo ainda a jovem em seus braços – mas já deitados -, reclamou que tinha muita sede.
- Deixe-me provar do hidromel – disse ele, com suavidade.
- Está bem, pode beber… – disse ela, preferindo, no entanto, dar as costas ao amado para não presenciar a derrocada final da sua missão. Mas, subitamente, sentiu sua voz repetir a autorização, agora, como se não fosse dela, com uma sombra estranha de euforia na voz:
- Pode beber à vontade…
Odin encontrou três enormes taças e as encheu a ponto de esvaziar completamente o caldeirão. Depois, emborcou-as pela boca como quem estivesse havia anos sem beber uma única gota. Quando retornou para se despedir, percebeu, no entanto, que Gunnlod dormia.
- Adeus, guardiã do meu coração! – disse ele, baixinho, retirando-se com a mesma discrição com a qual entrara.
Mas ela não estivera nunca dormindo, nem nunca diriam dela que fora enganada. Desta acusação, que ela julgava a pior, ela fazia questão de estar livre.
- Nada se fez sem a minha autorização – disse ela, como se já estivesse diante de seu pai irado. Gunnlod sabia, desde já, que nunca mais poderia ser a guardiã do caldeirão ou de qualquer outra coisa neste mundo.
- Ora, basta! – exclamou ela, tornando-se repentinamente altiva e serena outra vez. – Serei, então, doravante, a guardiã de mim mesma!


***

Odin partiu à toda pressa, mas quando percebeu que Suttung vinha atrás dele transformado em uma águia sedenta de sangue – como ele descobrira o seu plano, jamais ficaria sabendo -, transformou-se também em outra velocíssima águia.
Principiou-se, então, uma perseguição alucinante pelos ares gelados da cordilheira que se estendeu por milhares de quilômetros até que, finalmente, viu brilhar ao longe as torres douradas de seu amado palácio Gladsheim, em Asgard.
Odin deu um grande grito de alerta, o que fez com que todos os habitantes da morada dos deuses corressem, logo, a espalhar pipas enormes e jarros de todos os feitios pelas ruas. Então, Odin-águia começou a regurgitar todo o hidromel que havia ingerido na caverna de Gunnlod sobre os recipientes, de tal sorte que em três voltas inteiras que deu sobre a cidade havia expelido de seu estômago até a última gota da saborosa bebida. Suttung, ao ver que os deuses recolhiam rapidamente os jarros e cubas, reconheceu-se vencido e, com um grande grito de ira, partiu de volta à sua terra.
E foi assim que, graças a uma sedução e a um traiçoeiro furto, o hidromel passou a ser a bebida predileta dos deuses.