segunda-feira, 11 de agosto de 2014

LUIZ DE CAMÕES - ODE À LUA



ODE À LUA
LUIZ VAZ DE CAMÕES

Detém um pouco, Musa, o largo pranto
que Amor te abre do peito;
vestida de rico e ledo manto,
dêmos honra e respeito
àquela cujo
 objeito
todo o mundo alumia,
e quando escuro está é mais que o dia.


Ó Délia, que, apesar da névoa grossa,
cos teus raios de prata
a escura noite fazes, que não possa
encontrar o que trata,
e o que
 n’alma retrata,
Amor por teu divino
rosto, por que endoudeço e desatino:

Tu, que de
 fermosíssimas estrelas
coroas e rodeias
teus cabelos
 d'argento e faces belas,
e os campos
 fermoseias
co as rosas que semeias,
co as boninas que gera
o teu celeste amor na Primavera:

Pois,
 Délia, dos teus céus vendo estás quantos
furtos de
 puridades,
suspiros, mágoas, ais, músicas, prantos,
as amantes vontades,
üas por saudades,
outras por crus indícios,
fazem das próprias vidas sacrifícios;

vejo teu
 Endimião por estes montes,
suspenso o Céu, olhando,
e o teu
 nome, cos olhos feitos fontes,
embalde e em vão chamando,
pedindo e suspirando,
mercês à tua beldade
sem em ti achar
 üa hora piedade.

Por ti feito pastor de branco
 armento,
as selvas solitárias
acompanhado só do pensamento,
conversa as alimárias,
de todo amor contrárias,
mas não como
 ti duras,
onde lamenta e chora desventuras.

Por ti guarda o sitio fresco
 d'Ílio
suas sombras
 fermosas;
para
 ti, Erimanto e o lindo Epilio
as mais purpúreas rosas;
e as drogas cheirosas
deste nosso Oriente
também Arábia
 Felix eminente.

De que pantera, tigre, ou leopardo
as ásperas entranhas
não temeram o agudo e fero dardo,
quando pelas montanhas
mui remotas e estranhas
ligeira atravessavas,
tão
 fermosa que Amor de amor matavas?

Das castas virgens sempre os altos gritos,
clara
 Lucina, ouviste,
renovando lhe a força e os
 espritos;
mas os daquele triste
já nunca consentiste
ouvi
 los um momento,
para ser menos grave
 seu tormento.

Não fujas de mim
 assi, nem assi te escondas
dum tão fiel amante!
Olha como suspiram estas ondas,
e como o velho Atlante
o seu colo arrogante
move
 piadosamente,
ouvindo a minha voz fraca e doente.

Triste de mim, que o pior é queixar-me,
pois
 minhas queixas digo
a quem já ergue as mãos para matar-me,
como a
 crue imigo;
mas
 eu meu fado sigo,
que a isto me destina
e isto só pretende e só me ensina.

Quantos
 dias há que o Céu me desengana,
e eu sempre porfio
cada vez mais na minha teima insana!
Tendo livre alvedrio,
não fujo o desvario;
e este, que em mim vejo,
para esperança minha e meu desejo.

Oh!
 quanto milhor fora que dormissem
um sono
 perenal
estes meus olhos tristes, e não vissem
a causa de seu mal
fugir, a tempo tal,
mais que dantes, por teima,
mais cruel que
 ussa fera, mais que ema.

Ai de mim, que me abraso em fogo vivo,
com mil mortes ao lado,
e, quando mouro mais, então mais vivo!
Porque
 assi me há ordenado
meu
 infelice estado
que, quando mais me convida
a morte, para a morte tenha vida.

Minha secreta amiga, mansa noite,
estas rosas (porquanto
ouviste meus queixumes) ora dou te
este fresco adianto,
húmido ainda do pranto
e lágrimas da esposa
do cioso Titã, branca e
 fermosa.

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