domingo, 11 de junho de 2017

LENDA HINDU - O FIO DA ARANHA

O FIO DA ARANHA
LENDA HINDU
Kandata, o facínora, tendo expirado sem mostras de arrependimento, foi pela imutável Justiça atirado à região sombria dos eternos suplícios.
Durante muitos séculos suportou indiferente os tormentos do inferno. Um dia, porém, o seu coração empedernido foi tocado por um tênue raio de luz de arrependimento. Ajoelhou-se e implorou, em prece fervorosa, a proteção e misericórdia do senhor da Compaixão².
No mesmo instante, surgiu-lhe a figura radiosa de um anjo, que lhe disse:
- O Senhor da Compaixão ouviu a prece humilde que acabas de proferir. E aqui estou para salvar-te dos castigos tenebrosos do inferno. Ó Kandata!, no decorrer das tuas vidas anteriores, houve algum dia em que tivesses assistido a uma boa ação tua, por menor que fosse? Ela te ajudaria, agora, livrando-te dos tormentos que, sem tréguas, te afligirão. Mas nunca esperes ver cessados os sofrimentos atuais, consequência do teu passado, se conservares ainda sentimentos de egoísmo e se tua alma guardar ainda a impureza da vaidade, da luxúria e da inveja. Dize-me, ó Kandata!, se queres sair daqui, qual foi, acaso, o ato de bondade que em vida praticaste?
- Pelo Deus de Misericórdia! Exclamou Kandata, cheio de profunda humildade e tristeza – jamais pratiquei em minha vida passada qualquer ato digno ou louvável. A minha existência foi um rosário interminável de crimes e infâmias de toda a espécie!
- Kandata! – continuou o anjo. – Procura rememorar miudamente todas as ações do teu negro passado! Basta um ato verdadeiramente bom de tua parte, um só, para que obtenhas o perdão de Deus! Alguma vez socorreste com a esmola o desprotegido da sorte?
Imagem relacionada- Nunca!
- Algum dia – prosseguiu o anjo – tiveste uma palavra de consolo ou de bondade para os aflitos e desesperados?
- Nunca!
- Não te moveram, uma só vez, a piedade, os enfermos, nem dispensaste qualquer proteção aos fracos e infelizes?
- Nunca! – soluçava Kandata, com o desespero dos arrependidos.
- E para com os animais, nossos irmãos inferiores? – insistiu ainda o anjo. – trataste com crueza, impiedosamente todos os seres fracos do mundo?
- Deus seja louvado! – exclamou Kandata. – Lembro-me de que, certa vez, ao atravessar um bosque, vi uma pequenina aranha que procurava esconder-se sob a relva. “Não pisarei esta pobre aranha”, pensei, “porque é fraca e inofensiva”. Desviei o passo, a fim de poupar a vida ao mísero e tímido animalzinho. Teria sido esta uma ação agradável aos olhos do Criador?
- Feliz que és Kandata – respondeu o anjo. – Esse pequeno ato de bondade que acabas de recordar é, sem dúvida, suficiente para salvar-te do inferno, e é a própria aranha do bosque que, em breve, te proporcionará – pela vontade divina – o meio único de salvação. Da altura infinita do céu, a aranhazinha vai lançar-te um fio; por ele poderás subir até ao seio do Onipotente!
E, isto dizendo, o anjo desapareceu.
Quase no mesmo instante viu Kandata, com grande assombro, que um fio de aranha descia das alturas divinas até ao fundo do abismo negro que o torturava. Aquele fio, de enganadora fraqueza, representava para ele a salvação, a tão sonhada ventura! Estaria, para sempre, livre dos suplícios indizíveis do inferno!

Sem hesitar, Kandata agarrou-se a ele e começou a subir. Sentiu desde logo que o fio – pela vontade do Onipotente – era forte e lhe sustentava perfeitamente o peso do corpo, que balançava no espaço.
De repente, porém, em meio da escalada, lembrou-se o bandido de olhar para baixo e notou q2ue os seus companheiros de infortúnio procuravam também, à porfia, salvar-se da região dos tormentos, subindo pelo mesmo fio.
Com certeza não poderá tão delgado fiozinho suportar o peso dessa gente toda – pensou Kandata apavorado.
E, instigado pelo terrível egoísmo, desejando apenas a própria liberdade – sem lhe importar a desgraça alheia – gritou para os infelizes que já se agarravam, penca infernal, ao fio salvador:
- Larguem, miseráveis! Larguem, que esse fio é só meu!
No mesmo instante partia-se o fio da aranha e Kandata era para sempre restituído às profundezas em que tanto tempo sofrera tão duros castigos.
O fio salvador, forte bastante para levar ao céu milhares de criaturas arrependidas de seus crimes, rompera-se ao sofrer o peso do egoísmo que a maldade insinuara num coração.
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