PROVA FALSA
CRÔNICA DE
SÉRGIO PORTO
(STANISLAW PONTE PRETA)
Quem teve a ideia
foi o padrinho da caçula – ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a
família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se
ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de
educação.
— Mas o cachorro
era um chato — desabafou.
Desses cachorrinhos
de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de
muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse,
implicava com o dono da casa.
— Vivia de rabo
abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele
latido fininho e antipático de cachorro de francesa.
Ainda por cima era
puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro,
mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão.
Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o
desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o
rabinho, fingindo-se seu amigo.
— Quando eu
reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo,
dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o
“pobrezinho”.
Num rápido balanço
poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó
de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que
arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando
insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho
cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das
crianças e uma espinafração da mulher.
— Você é um
desalmado — disse ela, uma vez.
Venceu a guerra
fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a
fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício.
Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro
ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez
em cima do vestido novo de sua mulher.
— Aí mandaram o
cachorro embora? — perguntei.
— Mandaram. Mas eu
fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está
levando um vidão em sua nova residência.
— Ué… mas você não
o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?
— Problema da
consciência — explicou: — O pipi não era dele.
E suspirou cheio de
remorso.
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