quinta-feira, 27 de abril de 2017

LEON ELIACHAR - MULHER QUE SE PREZA NÃO MENTE: INVENTA VERDADES

MULHER QUE SE PREZA NÃO MENTE: INVENTA VERDADES

LEON ELIACHAR


Resultado de imagem para MULHEREnquanto o homem inventa foguetes para ir à Lua, a mulher inventa macetes para viver na terra. Sua capacidade inventiva a coloca entre os seres mais evoluídos do mundo, incluindo nisso o próprio homem, ou melhor, alguns homens, ou mais precisamente: o seu marido. Desde a maçã de Eva, até os tempos de hoje, que a mulher não dá tréguas à sua mirabolante imaginação, criando, com a sua inesgotável fonte de sagacidade, algumas das mais engenhosas invenções da humanidade, como o bolo, a tia, o dentista, a irmãzinha menor, o telefone enguiçado, o extravio, a cabeça lavada – e até mesmo o etc. O bolo foi inventado para as situações difíceis. Para evitar o outro bolo, o posterior, cujas consequências ela não pode prever, usa o primeiro. A tia foi inventada para casos de doença, onde a mulher vai repousar. Mulher que passa o dia na casa da tia não é vista por ninguém, mas em caso de desconfiança a tia é o mais perfeito álibi que se possa imaginar. O dentista, que hoje evoluiu e tentou tomar o nome de odontologista, mas que não pegou, porque a mulher que passa a tarde toda na rua nunca vai ao odontologista, mas sim ao dentista, entre outras coisas, tem a vantagem de tratar dos seus dentes. A irmãzinha menor serve de pretexto, não só para evitar certos abusos de certos cavalheiros cuja companhia ela adora para levá-la ao cinema, como inclusive para chegar cedo em casa, deixar a irmãzinha – e sair de novo com o abusado de quem ela gosta. O telefone enguiçado não passa de um telefone bom que a mulher põe fora do gancho e vai pra casa da vizinha receber os telefonemas que lhe interessam – e só assim fica livre daquele noivo chato que lhe telefona diariamente e não decide coisa nenhuma. No dia seguinte, ela toma a iniciativa de reclamar do noivo. A falta de consideração, pois ela de cama, sem poder levantar, e ele nem sequer um telefonema – e não adianta explicar coisa nenhuma porque essa historia de dizer que o telefone estava ocupado é uma chapa muito batida, pode perguntar pra vovó, que ficou ao meu lado a noite inteirinha e ninguém nem pegou no telefone, e o noivo, completamente desmoralizado, encontra a saída do então o seu telefone estava enguiçado – e isso ainda rende uma cestinha de flores. O extravio é o invento mais genial dos últimos anos porque antes mesmo do homem inventar o correio, já ela – a mulher – havia bolado o extravio. Só assim ela pode ir à praia, ao cinema, à sorveteria, à costureira, à manicure, não lhe sobrando o mínimo tempo para escrever uma cartinha ao namorado que está fora – e por mais que o homem conheça a mulher, não resta dúvida que ele conhece muito mais o correio. A importância do extravio na vida de uma mulher é tão grande que as estatísticas acusam anualmente um grande índice de juventude extraviada. A cabeça lavada é um pretexto pra mulher não sair e passar a noite jogando biriba com as amigas. Mulher que lava a cabeça todo dia, não tenha dúvida: é viciada em jogo.

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QUEM FOI?

Leon Eliachar (Cairo, 12 de outubro de 1922 — Rio de Janeiro, 01 de junho de 1987) foi um jornalista de humor e escritor brasileiro nascido no Egito.
Veio para o Brasil muito pequeno e viveu quase toda a sua vida no Rio de Janeiro, onde morreu assassinado. Segundo notícias da época, ele foi assassinado a mando de um rico fazendeiro paranaense com cuja esposa o autor vinha mantendo um romance.
Jornalista desde os 19 anos de idade, trabalhou em diversos jornais e revistas, fixando-se, por último, no Última Hora, onde mantinha uma página com o título de Penúltima Hora. Justificava o nome da página com a legenda "um jornal feito na véspera".
Foi colaborador dos roteiros de dois filmes carnavalescos, e autor de programas de rádio e secretário da revista Manchete.
Em 1956 foi laureado com o primeiro prêmio na IX Exposição Internacional de Humorismo realizada na Europa, em Bordighera, na Itália.

LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO - CARTA AOS TÍMIDOS

CARTA AOS TÍMIDOS

Luiz Fernando Veríssimo

Resultado de imagem para tímidoComo um tímido veterano, acho que já posso dar alguns conselhos às novas gerações de envergonhados, jovens que estão recém-descobrindo o martírio de ter de enfrentar este terror, os outros, e se lançando na grande aventura que é se impor, se fazer ouvir, ter amigos, namorar, procriar e, enfim, viver, quando o que preferia era ficar quieto em casa. Ou, de preferência, no útero.
Para começar, algumas coisas que não funcionam. Tentei todas e não deram certo. Decorar frase, por exemplo. Já fui com uma frase pronta para impressionar a menina e na hora saiu 'Teus marilus verdes são como dois olhos, lagoa'. Também resista à tentação de assumir um ar superior e dar a impressão de que você não é tímido, é misterioso. Eu sou do tempo em que a gente usava chaveiro com correntinha (além de tope e topete, tope de gravata enorme e topete duro de Gumex) e ficava girando a correntinha no dedo enquanto examinava as garotas na saída das matinês (eu sou do tempo das saídas de matinês). Um dia deu certo, a garota veio falar comigo, ou ver de perto o que mantinha o topete em pé, foi atingida pela hélice da correntinha e saiu furiosa. Melhor, porque eu não tinha nenhuma fala pronta que correspondesse à pose. Evite, é claro, as manobras calhordas. Como identificar alguém tão tímido quanto você no grupo e quando alguém, por sacanagem, lhe pedir um discurso, passar a palavra imediatamente para ele. O mínimo que um tímido espera de outro é solidariedade. E não há momento mais temido na vida de um tímido do que quando lhe passam a palavra.
Tente se convencer de que você não é o alvo de todos os olhares e de todas as expectativas de vexame quando entra em qualquer recinto. No fundo, a timidez é uma forma extrema de vaidade, pois é a certeza de que, onde o tímido estiver, ele é o centro das atenções, o que torna quase inevitável que errará a cadeira e sentará no chão, ou no colo da anfitriã. Convença-se: o mundo não está só esperando para ver qual é a próxima que você vai aprontar. E mire-se no meu exemplo. Depois que aposentei a correntinha e (suspiro) perdi o topete, namorei, procriei, fiz amigos, vivi e hoje até faço palestras, ou coisas bem parecidas. Mesmo com o secreto e permanente desejo, é verdade, de estar quieto em casa.

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domingo, 23 de abril de 2017

VLADIMIR MAIAKÓVSKI - COMUMENTE É ASSIM

COMUMENTE É ASSIM

VLADIMIR MAIAKÓVSKI

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,

e depois desfolha.

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CECÍLIA MEIRELES - EDMUNDO, O CÉPTICO

EDMUNDO, O CÉPTICO

TEXTO DE CECÍLIA MEIRELES
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Naquele tempo, nós não sabíamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma definição errada.
Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O cepticismo também tem o seu valor!)
Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d’água do quintal, podia morrer afogado. Não se assustou com a ideia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só não morreu porque o jardineiro andava perto.
Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: “E o rei Salomão?” Foi preciso a professora fazer uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: “Só vendo.” E em certas ocasiões, depois de lhe mostrarem tudo o que queria ver, ainda duvidava. “Talvez eu não tenha visto direito. Eles sempre atrapalham.” (Eles eram os adultos.)
Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as suas dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim desconfiasse de tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me disse estar a ponto de inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava muito em moda, mais ou menos como, hoje, as aventuras espaciais.
Edmundo estava sempre em guarda contra os adultos: eram os nossos permanentes adversários. Só diziam mentiras. Tinham a força ao seu dispor (representada por várias formas de agressão, da palmada ao quarto escuro, passando por várias etapas muito variadas). Edmundo reconhecia a sua inutilidade de lutar; mas tinha o brio de não se deixar vencer facilmente.
Numa festa de aniversário, apareceu, entre números de piano e canto (ah! delícias dos saraus de outrora!), apareceu um mágico com a sua cartola, o seu lenço, bigodes retorcidos e flor na lapela. Nenhum de nós se importaria muito com a verdade: era tão engraçado ver saírem cinqüenta fitas de dentro de uma só… e o copo d’água ficar cheio de vinho…
Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos demais. Disse: “Eu não acredito!” Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver mais as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia debandar um pombo voando… (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?)

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Texto extraído do livro “Quadrante 2”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1962, pág. 122.

sábado, 22 de abril de 2017

MACHADO DE ASSIS - UMA ÁGUIA SEM ASAS

Uma águia sem asas

CONTO DE MACHADO DE ASSIS

I

Resultado de imagem para águia sem asasEra uma tarde de agosto. Caía o sol, e soprava um vento fresco e brando, como para compensar o dia, que estivera extremamente calmoso. A noite prometia ser excelente.
Se a leitora quer ir comigo ao Rio Comprido, entraremos juntos na chácara do sr. James Hope, comerciante inglês desta praça, como se diz em linguagem técnica.
James Hope viera para o Brasil em 1830, com pouco mais de 20 anos, e começou imediatamente uma brilhante carreira comercial. Casou pouco depois com a filha de um compatriota, já nascida aqui, e mais tarde fez-se cidadão brasileiro, não só no papel, como no coração. Do seu matrimônio, teve Carlos Hope, que seguia a carreira do pai, e contava 26 anos ao tempo em que começa este romance e uma filha, que recebeu o nome de Sara e tinha 22 anos.
Sara Hope era solteira. Por quê? A sua beleza era incontestável; reunia a graça brasileira à gravidade britânica, e em tudo parecia destinada a dominar os homens; a voz, o olhar, as maneiras, tudo possuía um misterioso condão fascinador. Além disto, era rica e ocupava uma invejável posição na sociedade. Dizia-se à boca pequena que algumas paixões havia já inspirado a interessante moça; mas não constava que ela as houvesse tido em sua vida.
Por quê?
Esta pergunta todos a faziam, até o pai que, apesar de robusto e sadio, previa algum acontecimento que viesse a deixar a família sem chefe, e desejava ver casada a sua querida Sara.
Na tarde em que começa esta narrativa, estavam todos assentados no jardim, em companhia de mais três rapazes da cidade que tinham ido jantar em casa de James Hope. Dispensem-me de lhes pintar as visitas do velho comerciante. Bastará dizer que um deles, o mais alto, era advogado principiante, dispondo de algum dinheiro do pai; chamava-se Jorge; o segundo, cujo nome era Mateus, era comerciante, sócio de um tio que dirigia uma grande casa; o mais baixo não era coisa nenhuma, tinha algum pecúlio, e chamava-se Andrade. Estudara medicina, mas não tratava doentes, por glória da ciência e sossego da humanidade.
James Hope estava, extremamente alegre e bem disposto, e todos os mais pareciam gozar o mesmo beatífico estado. Quem entrasse subitamente no jardim, sem ser pressentido, podia descobrir que os três rapazes procuravam obter as boas graças de Sara, tão visivelmente que, não só os pais da moça o percebiam, mas até não podiam encobrir eles mesmos, uns aos outros, as suas pretensões.
Se isto era assim, escusado é dizer que a mesma Sara conhecia o jogo dos três rapazes, porque em geral a mulher sabe que é amada por um homem, antes mesmo que ele o perceba.
Longe de parecer incomodada, com o fogo dos três exércitos, Sara os tratava com tanta bondade e graça que parecia indicar uma criatura coquette e frívola. Mas quem atentasse alguns minutos, conheceria que ela era mais irônica que sincera, e, por isso mesmo que os igualava, os desprezava a todos.
James Hope acabava de contar uma anedota da sua mocidade, ocorrida na Inglaterra. A anedota era interessante, e o James sabia narrar, talento difícil e raro. Entusiasmado com os vários pormenores de costumes ingleses a que James Hope teve de aludir, o advogado manifestou o grande desejo que nutria de ver a Inglaterra, e em geral o desejo de viajar toda a Europa.
— Há de gostar, disse Hope. As viagens deleitam muito; e, além disso, nunca devemos desprezar as coisas estranhas. Eu iria de boa vontade à Inglaterra, durante alguns meses, mas creio que já não posso viver sem o nosso Brasil.
— É o que me acontece, acudiu Andrade; acredito que lá fora haja muita coisa melhor do que cá; mas nós aqui temos coisas melhores do que lá. Umas compensam as outras; e por isso não valeria a pena de uma viagem.
Mateus e Jorge não foram absolutamente desta idéia. Ambos protestaram que dariam algum dia um pulo ao velho mundo.
— Mas por que não faz isso que diz, sr. Hope? perguntou Mateus. Ninguém melhor do que o senhor pode realizar esse desejo.
— Sim, mas há um obstáculo…
— Não sou eu, acudiu rindo Carlos Hope.
— Não és tu, disse o pai, é Sara.
— Ah! - disseram os rapazes.
— Eu, meu pai? - perguntou a moça.
— Três vezes tenho tentado a viagem, mas Sara opõe sempre algumas razões, e não vou. Creio que descobri a causa da resistência dela.
— E qual é? - perguntou Sara, rindo.
— Sara tem medo do mar.
— Medo! - exclamou a moça, franzindo as sobrancelhas.
O tom com que ela proferiu esta simples exclamação impressionou o auditório. Bastava aquilo para pintar um caráter. Houve alguns segundos de silêncio, durante os quais contemplavam a bela Sara, cujo rosto pouco a pouco readquiriu a calma habitual.
— Ofendi-te, Sara? - perguntou James.
— Ah! Isso não se diz, meu pai! - exclamou a moça com todas as harmonias de sua voz. Não podia haver ofensa; houve apenas uma tal ou qual impressão de espanto, quando ouvi falar de medo. Meu pai sabe que eu não tenho medo…
— Sei que não, e já me deste provas disso; mas uma criatura pode ser valorosa e ter medo ao mar…
— Pois não é esse o meu caso, interrompeu Sara; se lhe dei algumas razões, é porque me pareceram aceitáveis…
— Pela minha parte, interrompeu Andrade, penso que foi um erro que o sr. Hope aceitasse tais razões. Era conveniente, e mais do que conveniente, era indispensável, que a Inglaterra visse que flores pode dar uma planta sua, quando transplantada às regiões americanas. Miss Hope seria lá o mais brilhante símbolo desta aliança de duas raças vivaces…
Miss Hope sorriu ouvindo este cumprimento, e a conversa tomou diverso caminho.


II

Nessa mesma noite, foram os três rapazes cear no Hotel Provençaux, depois de terem passado duas horas no Ginásio. Havia já dois ou três meses que andavam naquela campanha sem se comunicarem uns aos outros as impressões ou as esperanças que tinham. Estas, porém, se alguma vez as tiveram, começavam a diminuir, pelo que não tardaria muito que os três pretendentes se abrissem francamente e dissessem todas as suas idéias a respeito de Sara.
Aquela noite foi tacitamente escolhida pelos três para as confidências recíprocas. Estavam numa sala particular, onde ninguém os perturbaria. As revelações começaram por alusões vagas, mas não tardou que assumissem um ar de franqueza.
— Por que negaremos a verdade? - disse Mateus, depois de alguns remoques recíprocos; todos três gostamos dela; é claríssimo. E o que também me parece claro é que ela ainda não se manifestou por nenhum.
— Nem se manifestará, respondeu Jorge.
— Por quê?
— Porque é uma namoradeira e nada mais; gosta que lhe façam a corte, e não passa disso. É uma mulher de gelo. Que te parece, Andrade?
— Não concordo contigo, acudiu este. Não me parece namoradeira. Pelo contrário, cuido que é uma mulher superior, e que…
Estacou. Entrou nesse momento um criado trazendo umas costeletas pedidas. Quando o criado saiu, os outros dois rapazes insistiram para que Andrade concluísse o pensamento.
— E quê? - disseram eles.
Andrade não deu resposta.
— Conclui a tua ideia, Andrade, insistiu Mateus.
— Creio que ela ainda não encontrou um homem como imagina, explicou Andrade. É romanesca, e só se casará com alguém que lhe realize um tipo ideal; toda a questão é saber que tipo é esse; porque, desde que o soubéssemos tudo estava decidido. Cada um de nós procuraria ser a reprodução material dessa idealidade desconhecida…
— Talvez tenhas razão, observou Jorge; bem pode ser isso; mas, nesse caso, estamos nós em pleno romance.
— Sem nenhuma dúvida.
Mateus discordou dos outros.
— Talvez não seja assim, disse ele; o Andrade terá razão em parte. Creio que o meio de lhe vencer a esquivança é corresponder, não a um tipo ideal, mas a um sentimento próprio, a um traço de caráter, a uma expressão de temperamento. Neste caso, o vencedor será aquele que melhor disser com o gênio dela. Por outras palavras, cumpre saber se ela quer ser amada por um poeta, se por um homem de ciência, etc.
— Isso ainda pior, observou Andrade.
— Pior será, creio, mas grande vantagem é sabê-lo. Que lhes parece a minha opinião?
Concordaram os dois com esta opinião.
— Ora bem, continuou Mateus, pois que assentamos nisto, sejamos francos. Se algum de nós sente uma paixão exclusiva por ela, deve dizê-lo; a verdade antes de tudo…
— Paixões, respondeu Jorge, eu já as conheci; amei aos 16 anos. Hoje, tenho o coração frio como uma lauda das Ordenações. Desejo casar para descansar, e se há de ser com uma mulher vulgar, melhor é que seja com uma formosa e inteligente criatura… Isto quer dizer que nenhum ódio votarei àquele que for mais feliz do que eu.
— Minha idéia é outra, disse Andrade: caso por curiosidade. Uns dizem que o casamento é delicioso, outros que aborrecido; e todavia, os casamentos não acabam nunca. Tenho curiosidade de saber se é mau ou bom. O Mateus é que me parece verdadeiramente apaixonado.
— Eu? - disse Mateus deitando vinho no cálice; nem por sombras. Confesso, porém, que lhe tenho alguma simpatia e certa coisa a que chamamos adoração…
— Nesse caso… disseram os dois.
— Oh! - continuou Mateus. Nada disto é amor, pelo menos amor como eu imagino…
Dizendo isto, bebeu de um trago o cálice de vinho.
— Estamos, pois concordes, disse ele. Cada um de nós deve estudar o caráter de Sara Hope, e aquele que atinar com as suas preferências será o feliz…
— Fazemos um steeple-chase, disse Andrade.
— Não fazemos só isto, observou Mateus; ganhamos tempo e não nos prejudicamos uns aos outros. Aquele que se julgar vencedor, declare-o logo; e os outros deixarão o campo livre. Assim entendidos, conservaremos a nossa recíproca estima.
Concordes neste plano, os nossos rapazes gastaram o resto da noite em assuntos diferentes, até que cada um se foi para casa, disposto a morrer ou vencer.

III

Algum leitor achará este pacto romanesco demais, e um pouco fora dos nossos costumes. Todavia, o fato é verdadeiro. Não direi quem mo referiu, porque não quero fazer mal a um cidadão honrado.
Celebrado o pacto, cada um dos nossos heróis procurou descobrir o ponto vulnerável de Sara.
Jorge foi o primeiro que supôs tê-lo descoberto. Miss Hope lia muito e era entusiasta dos grandes nomes literários da época. Quase se pode dizer que nenhum livro, mais ou menos falado, lhe era desconhecido. E não só lia, discutia, criticava, analisava, exceto as obras poéticas.
— A poesia, dizia ela, não se analisa, sente-se ou esquece-se.
Seria esse o ponto vulnerável da moça?
Jorge procurou sabê-lo e não esqueceu nenhum meio necessário para isso. Conversaram de literatura, longas horas, e Jorge dava, largas a um entusiasmo poético mais ou menos real. Notou Sara esse prurido literário do rapaz, mas sem indagar as causas dele, tratou de o aproveitar, no sentido das suas preferências.
Sem nenhuma ofensa à pessoa de Jorge, posso dizer que ele não era grande conhecedor em matéria literária, pelo que não poucas vezes lhe acontecia tropeçar desastradamente. Por outro lado, sentia necessidade de alguma fórmula mais elevada para o seu entusiasmo e andou catando na memória aforismos deste jaez:
— A poesia é a linguagem dos anjos.— O amor e as musas nasceram no mesmo dia. E outras coisas mais que a moça ouvia sem admirar muito o espírito inventivo do jovem advogado.
Aconteceu que um domingo de tarde, andando os dois passeando no jardim, um pouco separados do resto da família, Sara pregou os olhos no céu tingido com as rubras cores do ocaso.
Esteve assim calada durante longo tempo.
— Contempla a sua pátria? - perguntou-lhe com meiguice Jorge.
— A minha pátria? - disse a moça sem perceber a ideia. do rapaz.
— É a bela hora do poente, continuou este, a hora melancólica da saudade e do amor. O dia é mais alegre, a noite mais terrível; só a tarde é a verdadeira hora das almas melancólicas… - Ah! tarde! - Oh! poesia! oh! amor!
Sara conteve o riso que esteve a ponto de lhe rebentar dos lábios ao ouvir o tom e ao ver a atitude com que Jorge proferiu aquelas palavras.
— Gosta então muito da tarde? - perguntou ela com um tom irônico que não escaparia a outro.
— Ah! Muito! - respondeu Jorge. A tarde é a hora em que a natureza parece convidar os homens ao amor, à meditação, à saudade, ao arroubo, aos suspiros, a cantar com os anjos, a conversar com Deus. Posso dizer como o grande poeta, mas variando um pouco a sua fórmula: tirai a tarde ao mundo, e o mundo será um ermo.
— Isto é sublime! - exclamou a moça, batendo palmas. Jorge parecia contente de si. Deitou à moça um olhar lânguido e amoroso e foi o único agradecimento que deu ao elogio de Sara.
A moça compreendeu que a conversa podia seguir um caminho menos agradável. Parecia-lhe ver já dançando nos lábios do rapaz uma confissão intempestiva.
— Creio que meu pai me chama, disse ela; vamos. Jorge foi obrigado a acompanhar a moça, que se aproximou da família.
Os outros dois pretendentes viram o ar alegre de Jorge, e concluíram que ele estava no caminho da felicidade. Sara, entretanto, não mostrava a confusão própria de uma moça que acaba de ouvir uma confissão de amor. Olhava muitas vezes para Jorge, mas era com uns longes de ironia, e em todo caso perfeitamente tranqüila.
— Não tem que ver, dizia Jorge consigo, acertei-lhe, com a corda; a rapariga é romanesca; tem vocação literária; gosta de exaltações poéticas…
Não se deteve o jovem advogado; a essa descoberta, seguiu-se logo uma carta ardente, poética, nebulosa, carta que nem um filósofo alemão chegaria a entender.
Poupo aos leitores a íntegra desse documento; mas não resisto à intenção de lhes transcrever aqui um período, que bem o merece:
… Sim, minha loura estrela da noite, a vida é uma aspiração constante para a região serena dos espíritos, um desejo, uma ambição, uma sede de poesia! Quando duas almas da mesma índole se encontram, como as nossas, já isto não é terra, é céu, céu puríssimo e diáfano, céu que os serafins povoam de encantadas estrofes!… Vem, meu anjo, passemos uma vida assim! Inspira-me, e eu serei maior que Petrarca e Dante, porque tu vales mais que Laura e Beatriz!… E cinco ou seis páginas neste gosto.
Esta carta foi entregue, num domingo, à saída do Rio Comprido, sem que a moça tivesse ocasião de perguntar o que aquilo era.
Digamos a verdade toda.
Jorge passou a noite sobressaltado.
Sonhou que entrava com Miss Hope em um riquíssimo castelo de ouro e esmeraldas, cuja porta era guardada por dois arcanjos de longas asas abertas; depois, sonhou que o mundo inteiro, por meio de uma comissão, o coroava poeta, rival de Homero. Sonhou muitas coisas neste sentido, até que veio a sonhar com um chafariz, que deitava, em vez de água, espingardas de agulha, verdadeiro disparate que só Morfeu sabe criar.
Três dias depois foi procurado pelo irmão de Sara.
— Minha demora é pequena, disse o rapaz, venho por parte de minha mana.
— Ah!
— E peço-lhe que não veja nisto nada de ofensivo.
— Nisto o quê?
— Minha mana quis por força que eu viesse restituir-lhe esta carta; e que lhe dissesse… Em suma, isto é bastante; aqui tem a carta. Ainda uma vez, não há ofensa, e a coisa fica entre nós…
Jorge não achava palavra para responder. Estava pálido e vexado. Carlos não poupou expressões nem carícias para provar ao rapaz que não desejava a menor alteração na amizade que se votavam um ao outro.
— Minha mana é caprichosa, dizia ele, é por isso…
— Concordo que foi um ato de loucura, disse enfim Jorge, animado pelas maneiras do irmão de Sara; mas o senhor compreenderá que um amor…
— Compreendo tudo, disse Carlos; e é por isso que lhe peço esqueça isto, e ao mesmo tempo posso afirmar-lhe que Sara não tem nenhum ressentimento disto… Portanto, amigos como dantes.
E saiu.
Jorge ficou só.
Estava acabrunhado, envergonhado, desesperado.
Não lamentava tanto a derrota como as circunstâncias dela. Entretanto, era preciso mostrar boa cara à sua fortuna, e o rapaz não hesitou em confessar a derrota aos dois adversários.
— Safa! - disse Andrade, essa agora é pior! Se ela está disposta a devolver todas as cartas pelo irmão, é provável que o rapaz se não empregue em outra coisa.
— Não sei disto, respondeu Jorge; confesso-me vencido, eis tudo.
Durante esta curta batalha, dada pelo jovem advogado, os outros pretendentes não estavam ociosos, e cada qual por si procurava descobrir o ponto fraco na couraça de Sara.
Qual deles acertaria?
Vamos sabê-lo nas páginas que nos restam.

IV

Mais curta foi a campanha de Mateus; imaginara ele que a moça amaria loucamente a quem lhe desse sinais de bravura. Concluía isto da exclamação que lhe ouvira, quando James Hope disse que ela tinha medo do mar.
Tudo empregou Mateus para seduzir Miss Hope por esse lado. Em vão! A moça parecia cada vez mais recalcitrante.
Não houve proeza que o candidato não referisse como glória sua, e algumas fê-las ele mesmo com sobrescrito para ela.
Sara era uma rocha.
A nada cedia.
Arriscar uma carta seria loucura, depois do fiasco de Jorge; Mateus julgou prudente abater as armas.
Restava Andrade.
Teria ele descoberto alguma coisa? Parecia que não. Todavia, era dos três o mais atilado, e se a causa de isenção da moça fosse a que eles apontavam não havia dúvida de que Andrade atinaria com ela.
Durante esse tempo, ocorreu uma circunstância que vinha transtornar os planos do rapaz. Sara acusada pelo pai de ter medo do mar, o induzira a uma viagem à Europa.
James Hope participou alegre esta notícia aos três moços.
— Mas vão já? - perguntou Andrade, quando o pai de Sara lhe disse isto na rua.
— Daqui a dois meses, respondeu o velho.
— Valha-nos isso! - pensou Andrade.
Dois meses! Devia vencer ou morrer dentro daquele prazo.
Andrade auscultava o espírito da moça com perseverança e solicitude; nada lhe era indiferente; um livro, uma frase, um gesto, uma opinião, tudo Andrade ouvia com atenção religiosa, tudo examinava cuidadosamente.
Um domingo, em que lá se achavam, na chácara todos em companhia de algumas moças da vizinhança, falava-se de modas e cada uma dava a sua opinião.
Andrade conversava alegremente e também discutia o assunto da conversa, mas o seu olhar, a sua atenção estavam voltados para a bela Sara.
A distração da moça era evidente.
Em que pensaria ela?
De repente, entra pelo jardim o filho de James, que ficara na cidade para aviar uns negócios do paquete.
— Sabem a novidade? - disse ele.
— Que é? - perguntaram todos.
— Caiu o ministério.
— Deveras? - disse James.
— Que temos nós com o ministério? - perguntou uma das moças.
— O mundo caminha bem sem o ministério, observou outra.
— Oremos pelo ministério, acrescentou piedosamente uma terceira.
Não se falou mais nisto. Aparentemente, era uma coisa insignificante, um incidente sem resultado, na vida aprazível daquela abençoada solidão.
Assim seria para os outros.
Para Andrade foi um raio de luz — ou pelo menos um indício veemente.
Notou ele, que Sara ouvira a notícia com atenção profunda demais para o seu sexo, e depois ficara algum tanto pensativa.
Por quê?
Tomou nota do incidente.
Noutra ocasião, foi surpreendê-la a ler um livro.
— Que livro será esse? - perguntou ele sorrindo.
— Veja, respondeu ela apresentando-lhe o livro.
Era uma história de Catarina de Médicis.
Isto seria insignificante para outro; para o nosso candidato era um vestígio preciosíssimo.
Com os apontamentos que tinha já Andrade podia conhecer a situação; mas, como era prudente, buscou esclarecê-la melhor.
Um dia mandou uma cartinha a James Hope, concebida nestes termos:
Empurraram-me alguns bilhetes de teatro: é um espetáculo em benefício de um homem pobre. Sei como o senhor é caridoso, e por isso aí lhe remeto um camarote. A peça é excelente. A peça era o Pedro.
No dia aprazado, lá estava Andrade no Ginásio. Hope não faltou, com a família, ao espetáculo anunciado.
Nunca Andrade sentira tanto a beleza de Sara. Estava esplêndida, mas o que aumentava a beleza e o que lhe inspirava adoração maior era o concerto de louvores que ele ouvira à roda de si. Se todos gostavam dela, não era natural que ela só lhe pertencesse a ele?
Pela razão de beleza, como por causa das observações que Andrade queria fazer, não tirou os olhos da moça durante a noite inteira.
Foi ao camarote dela no fim do segundo ato.
— Venha - disse-lhe Hope, deixe-me agradecer-lhe a ocasião que me proporcionou de ver Sara entusiasmada.
— Ah!
— É um excelente drama este Pedro, disse a moça apertando a mão de Andrade.
— Excelente só? - perguntou ele.
— Diga-me, perguntou James, este Pedro sobe sempre até ao fim?
— Não o disse ele no primeiro ato? - respondeu Andrade. Subir! Subir! Subir! Quando um homem sente em si uma grande ambição, não pode deixar de realizá-la, porque justamente nesse caso é que se deve aplicar o querer é poder.
— Tem razão, disse Sara.
— Pela minha parte, continuou Andrade, nunca deixei de admirar este caráter soberbo, natural, grandioso, que me parece falar ao que há de mais íntimo em minha alma! Que é a vida sem uma grande ambição?
Este arrojo de vaidade produziu o desejado efeito, eletrizou a moça, a cujos olhos parecia que Andrade se havia transfigurado.
Bem o percebeu Andrade, que coroava assim os seus esforços.
Adivinhara tudo.
Tudo o quê?
Adivinhara que Miss Hope era ambiciosa.

V

Eram duas pessoas diferentes até àquele dia; daí a pouco, pareciam entender-se, harmonizar-se, completar-se.
Tendo compreendido e sondado a situação, Andrade não deixou de prosseguir no ataque em regra. Sabia para onde iam as simpatias da moça; foi com elas, e tão cauteloso, e ao mesmo tempo tão audaz, que inspirou ao espírito de Sara pouco disfarçável entusiasmo.
Entusiasmo, digo, e era esse o sentimento que devia inspirar quem pretendesse o coração de Miss Hope.
Amor é bom para as almas angélicas.
Sara não era assim; a ambição não se contenta com flores e horizontes curtos. Não pelo amor, mas pelo entusiasmo, é que ela devia ser vencida.
Sara via Andrade com olhos de admiração. Ele soubera, a pouco e pouco, convencê-la de que era um homem essencialmente ambicioso, confiado na sua estrela, e seguro dos seus destinos.
Que mais queria a moça?
Ela era efetivamente ambiciosa e sedenta de honras e eminências. Se tivesse nascido nas imediações de um trono, poria esse trono em perigo.
Para que ela amasse alguém, era necessário que esse pudesse competir com ela no gênio, e lhe afiançasse a vinda de glórias futuras.
Andrade compreendera isso.
E tão hábil se houve que conseguira fascinar a moça.
Hábil, digo eu, e nada mais; porque, se houve jamais criatura desambiciosa neste mundo, espírito mais tímido, gênio menos desejoso de mando e poderio, esse foi sem dúvida o nosso Andrade.
A paz era para ele o ideal.
E a ambição não existe sem perpétua guerra.
Como conciliar, pois, este gênio natural com as esperanças que inspirara à ambiciosa Sara?
Deixava ao futuro?
Desenganá-la-ia, quando fosse conveniente?
A viagem à Europa foi ainda uma vez adiada, porque Andrade, competentemente autorizado pela moça, pediu-a em casamento ao honrado comerciante James Hope.
— Perco ainda uma vez a minha viagem, disse o velho, mas desta vez por um motivo legítimo e agradável; faço minha filha feliz.
— Parece-lhe que eu… murmurou Andrade.
— Ande lá, disse Hope batendo no ombro do futuro genro; minha filha morre pelo senhor.
O casamento foi celebrado dentro de um mês. Os noivos foram passar a lua-de-mel na Tijuca. Cinco meses depois, estavam ambos na cidade, ocupando uma casa poética e romanesca em Andaraí.
Até então a vida foi um caminho semeado de flores. Mas o amor não podia tudo numa aliança iniciada pela ambição.
Andrade estava satisfeito e feliz. Simulou enquanto pôde o caráter que não tinha; mas le naturel chassé, revenait au galop. A pouco e pouco iam manifestando-se as preferências do rapaz por uma vida calma e pacífica, sem ambições, nem ruído.
Sara começou a notar que a política e todas as grandezas do Estado aborreciam sobremaneira o marido. Lia alguns romances, alguns versos, e nada mais, aquele homem que, pouco antes de casar, parecia destinado a mudar a face do globo. Política era para ele sinônimo de dormideira.
Tarde conheceu Sara quanto se havia enganado. Grande foi a sua desilusão. Como possuísse realmente uma alma ávida de grandeza e poderio, sentiu amargamente este desengano.
Quis disfarçá-lo, mas não pôde.
E um dia disse a Andrade:
— Por que razão a águia perdeu as asas?
— Qual águia? - perguntou ele.
Andrade compreendeu a intenção dela.
— A águia era apenas uma pomba, disse ele, passando-lhe o braço à roda da cintura.
Sara recuou e foi encostar-se à janela.
Caía, então, a tarde; e tudo parecia convidar aos devaneios do coração.
— Suspiras? - perguntou Andrade.
Não teve resposta.
Houve longo silêncio, interrompido apenas pelo tacão de Andrade, que batia compassadamente no chão.
Afinal, levantou-se o rapaz.
— Olha, Sara, disse ele, vês este céu dourado e esta natureza tranqüila?
A moça não respondeu.
— Isto é a vida, isto é a verdadeira glória, continuou o marido. Tudo mais é manjar de almas doentias. Gozemos isto, que deste mundo é o melhor.
Deu-lhe um beijo na testa e saiu.
Sara ficou, longo tempo pensativa, à janela; e não sei se a leitora achará ridículo que ela vertesse alguma lágrima.
Verteu duas.
Uma pelas ambições abatidas e desfeitas.
Outra pelo erro em que estivera até então.
Porquanto, se o espírito parecia magoado e entorpecido com o desenlace de tantas ilusões, dizia-lhe o coração que a verdadeira felicidade de uma mulher está na paz doméstica.
Que mais lhe direi para completar a narrativa?
Sara disse adeus às ambições dos primeiros anos, e voltou-se toda para outra ordem de desejos.
Quis Deus que ela os realizasse. Quando morrer não terá página na história; mas o marido poderá escrever-lhe na sepultura: Foi boa esposa e teve muitos filhos.

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