A CINDERELA CHINESA
(Do "Yuyang Tsatsu", século IX)
Ao
que se sabe, esta é a mais antiga história da Cinderela escrita no mundo.
Cinderela é um dos contos folclóricos mais conhecidos em todos os países e dela
têm sido coligidas, estudadas e comparadas pelos entendidos centenas de
versões. Contudo, de acordo com o professor R. D. Jameson, autoridade em
assuntos do longínquo oriente e que, bondosamente, correspondeu-se comigo sobre
o caso: "A história (a versão que aqui vai) é anterior à mais antiga
versão ocidental de Des Perriers em seu "Nouvelles Récréations et Iojeux
Devis", Lião, 1558, cerca de uns 700 anos." A versão chinesa é tirada
de "Yuyang Tsatsu", um livro de mágicas e contos sobrenaturais e de
fundo histórico. outrossim, escrito por Tuan Ch'eng-shih que morreu em 863 da
era cristã. A história lhe foi contada por uma velha serva da família que
provinha de Yungchow (moderna Nanning) em Kwangsei, e que descendia dos povos
das cavernas (aborígines) daquele distrito. Tuan era filho de um primeiro
ministro e era letrado e em "Yuyang Tsatsu", deu disso vários
exemplos: pesquisou certos contos populares indo encontrá-los até nos clássicos
budistas, pois no século IX, as histórias sobrenaturais budistas eram bem
conhecidas e populares na China. Entretanto esse conto provou ser de tradição
oral. Existem versões siamesas bem conhecidas e Nanning fica bem perto da
Indochina. Respondendo à minha pergunta sobre se essa versão podia ter vindo da
Índia, o professor Jameson disse - "Tanto quanto lhe posso afirmar, e até
onde vão meus conhecimentos, a mais velha versão impressa é chinesa. Sabemos
muito pouco sobre os processos da imaginação humana e são incontáveis os
lugares folclóricos do mapa asiático que ainda não foram completamente
explorados para justificar, parece-me, muita especulação." O que nos fere
nessa versão chinesa é que ela contém elementos de todas as duas tradições,
eslava e alemã, na primeira das quais um animal amigo é o motivo principal e
onde, na segunda, a perda do sapatinho num baile é o fato mais importante. A
madrasta cruel e as filhas são comuns a ambas. – Lin Yutang.
Certa vez, antes de Ch'in (222-206 a.C.) e
Han havia um chefe das cavernas da montanha a quem os nativos chamavam chefe
Wu. Ele se casou com duas mulheres uma das quais morreu deixando-lhe uma menina
chamada Yeh Hsien. Essa menina era muito inteligente e habilidosa no bordado a
ouro e o pai amava-a ternamente, mas, quando êle morreu, viu-se maltratada pela
madrasta que seguidamente a forçava a cortar lenha e mandava-a a lugares
perigosos para apanhar água em poços profundos.
Um dia, Yeh Hsien pescou um peixe com mais
de duas polegadas de comprimento e que tinha as barbatanas vermelhas e os olhos
dourados. Trouxe-o para casa e o pôs numa vasilha com água. Cada dia o peixe
crescia mais e tanto cresceu que, finalmente, a vasilha não lhe serviu mais e a
menina o soltou numa lagoa que havia por trás de sua casa. Yeh Hsien costumava
alimentá-lo com as sobras de sua comida. Quando ela chegava à lagoa, o peixe
vinha até a superfície e descansava a cabeça na margem, mas se alguém se aproximasse
não aparecia.
Esse hábito curioso foi notado pela
madrasta que esperou o peixe sem que este lhe aparecesse. Um dia, lançou mão de
astúcia e disse à enteada: - "Não está cansada de trabalhar? Quero dar-lhe
uma roupa nova." Em seguida fêz Yeh Hsien tirar a roupa que vestia e
mandou-a a várias centenas de li para trazer água de um poço. A velha, então,
pôs o vestido de Yeh Hsien e estendeu uma faca afiada na manga da blusa;
dirigiu-se para a lagoa e chamou o peixe. Quando o peixinho pôs a cabeça fora d’água,
ela o matou. Por essa ocasião, o animalzinho já media mais de dez pés de
comprimento e, depois de cozido, mostrou ter sabor mil vezes melhor do que
qualquer outro. E a madrasta enterrou seus ossos num monturo.
No dia seguinte, Yeh Hsien voltou e ao aproximar-se
da lagoa verificou que o peixe desaparecera. Correu para chorar escondida no
meio do mato e nisso um homem de cabelo desgrenhado e coberto de andrajos
desceu dos céus e a consolou, dizendo: - “Não chore. Sua mãe matou o peixe e
enterrou os ossos num monturo. Vá para casa, leve os ossos para seu quarto e os
esconda. Tudo o que você quiser peça que lhe será concedido". Yeh Hsien
seguiu o conselho e pouco tempo depois tinha uma porção de ouro, de jóias e
roupas de tecido tão caro que seriam capazes de deleitar o coração de qualquer
donzela.
Na noite de uma festa tradicional chinesa,
Yeh Hsien recebeu ordens de ficar em casa para tomar conta do pomar. Quando a
jovem solitária viu que a mãe já ia longe, meteu-se num vestido de seda verde e
seguiu-a até o local a festa. A irmã, que a reconhecera virou-se para a mãe
dizendo: - "Não acha aquela jovem estranhamente parecida com minha irmã
mais velha ?" A mãe também teve a impressão de reconhecê-la. Quando Yeh
Hsien percebeu que a fitavam, correu, mas com tal pressa que perdeu um dos
sapatinhos, o qual foi cair nas mãos dos populares.
Quando a mãe voltou para casa encontrou a
filha dormindo com os braços ao redor de uma árvore; assim pôs de lado qualquer
pensamento que pudesse ter sido acerca da identidade da jovem ricamente
vestida.
Ora, perto das cavernas, havia um reino
insular chamado T'o Huan. Por intermédio de forte exército governava duas vezes
doze ilhas e suas águas territoriais cobriam vários milhares de li. O povo
vendeu, portanto, o sapatinho para o Reino T'o Huan, onde foi ter às mãos do
rei. O rei fêz as suas mulheres experimentá-lo, mas o sapatinho era cerca de
uma polegada menor dos das que tinham os menores pés. Depois fez com que o
experimentassem todas as mulheres do reino sem que nenhuma conseguisse
calçá-lo.
O rei, então, suspeitou que o homem que o
tinha levado o tivesse obtido por meios mágicos e mandou aprisioná-lo e
torturá-lo. Mas o pobre infeliz nada pôde dizer sobre a procedência do sapato.
Finalmente, emissários e correios foram enviados pela estrada para irem de casa
em casa a fim de prenderem quem quer que tivesse o outro sapatinho. O rei
estava muito intrigado.
A casa foi encontrada, bem como Yeh Hsien.
Fizeram-na calçar os sapatinhos e eles couberam perfeitamente. Depois ela
apareceu com os sapatinhos e o vestido de seda verde tal como uma deusa.
Mandaram contar o caso ao rei e o rei levou Yeh Hsien para seu palácio na ilha
juntamente com os ossos do peixe.
Assim que Yeh Hsien foi levada, a mãe e a
irmã foram mortas a pedradas. Os populares apiedaram-se delas, sepultando-as
num buraco e erigindo um túmulo a que deu o nome de "Túmulo das
Arrependidas". Passaram a reverenciá-las como espíritos casamenteiros e
sempre que alguém pedia-lhes uma graça no sentido de arranjar ou ser feliz em
negócios de casamento tinha certeza de que sua prece era atendida.
O rei voltou à sua ilha e fêz de Yeh Hsien
sua primeira espôsa. Mas durante o primeiro ano de seu casamento, ele pediu aos
ossos do peixe tantos jades e coisas preciosas que eles se recusaram a
conceder-lhe mais desejos. Por isso o rei pegou os ossos e enterrou-os bem
perto do mar, junto com uma centena de pérolas e uma porção de ouro. Quando
seus soldados se rebelaram contra ele, foi ter ao lugar em que enterrara os
ossos, mas a maré os levara e nunca mais foram encontrados até hoje. Essa
história me foi contada por um velho servo de minha família, Li Shih-yüan. Ele
descendia de um povo chamado Yungchow e sabia de muitas historias estranhas do
sul.
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