A GATA E O SÁBIO
CONTO ÁRABE
O sábio de Bechemezzinn (aldeia situada no
norte do Líbano) era muito rico. Dedicava o melhor do seu tempo ao estudo e a
tratar os doentes que o procuravam. A sua fortuna permitia-lhe socorrer os
infelizes e todas as pessoas diziam que ele era a dedicação em pessoa.
Homem piedoso e reto, a injustiça causava--lhe revolta. Muitas pessoas vinham
consultá-lo quando tinham alguma divergência com vizinhos ou parentes. O sábio
dava os melhores conselhos e desempenhava muitas vezes o papel de mediador.
Tinha uma gata a quem se dedicava
particularmente. Todos os dias, depois do jantar, ela miava para chamar o dono.
O sábio a acariciava e levava para o jardim, onde ambos passeavam até ao
pôr-do-sol. Ela era a sua única confidente, diziam os criados.
A gata dirigia-se muitas vezes à cozinha, onde
era bem recebida. O cozinheiro não escondia nem a carne nem o peixe, porque ela
nada roubava, fosse cru ou cozido, contentando-se com o que lhe davam.
Ora, uma tarde, depois do passeio diário, a
gata roubou furtivamente um pedaço de carne de uma panela. Tendo-a
surpreendido, o cozinheiro castigou-a puxando-lhe severamente as orelhas.
Vexada, a gata fugiu e não apareceu mais durante toda a noite.
Intrigado, o sábio perguntou por ela na
manhã seguinte. O cozinheiro contou-lhe o que se passara. O sábio saiu para o
jardim e durante muito tempo chamou a gata, que acabou por aparecer.
- Porque roubou a carne? – perguntou o
sábio.
- O cozinheiro não te dá comida?
A gata que tinha parido sem que ninguém
soubesse, afastou-se sem responder e voltou seguida de três lindos gatinhos.
Depois, fugiu e trepou na figueira do jardim. O sábio pegou os três gatinhos e
entregou-os ao cozinheiro que, ao vê-los, mostrou uma grande admiração.
- A gata não roubou comida a pensar nela – declarou o sábio. – O seu gesto foi ditado pela necessidade. Portanto, não é de condenar. Para alimentar os filhos, qualquer ser, mesmo mais frágil do que um mosquito, roubaria um pedaço de carne nas barbas de um leão. A gata limitou-se a seguir o que lhe ditava o seu amor maternal. A conduta dela nada tem de repreensível. O pobre animal está a sofrer por a teres castigado injustamente. Fugiu para a figueira porque está zangada contigo. Deves ir lá pedir-lhe desculpa, para que se acalme e tudo volte ao normal.
O cozinheiro concordou. Tirou o turbante,
dirigiu-se à figueira e pediu perdão ao animal. Mas a gata virou a cabeça. O
sábio teve de intervir. Conversou longamente com ela e lá conseguiu convencê-la
a descer da árvore.
A gata desceu lentamente da figueira, veio
a miar roçar-se nas pernas do sábio e foi para junto dos seus três filhotes.
MORAL: A gata era fiel ao sábio, porque ele sabia que a
confiança é algo construído e está
localizada muito além das aparências.