domingo, 23 de julho de 2017

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - A MULHER MADURA

A MULHER MADURA

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
O rosto da mulher madura entrou na moldura dos meus olhos. De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão.
Resultado de imagem para MULHER MADURAOutras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a antevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso e esculpido como o de uma atriz, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.
Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente.
A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulhos, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.
A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo de repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência.
Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo. A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas.
E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito. A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos.
Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de Setembro e Abril. O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície.
Seu corpo não é como na adolescência: uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.
Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, completamente.
Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos reveladores. Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-la apenas como um relâmpago de juventude, de um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo.
Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo. A mulher madura está pronta para algo definitivo. Merece, por exemplo, sentar-se naquela Praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar.
Resultado de imagem para MULHER MADURAA mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidade. A mulher madura é um ser luminoso e repousante às 4 horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia.
Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados de gestos.
Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes. Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar.
Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar...

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - CASO DE CANÁRIO

CASO DE CANÁRIO

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:
Resultado de imagem para CANÁRIO- Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria um barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.
- Mas eu também tenho coração, ora essa. Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?
- Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom; vá.
O sogro, a sogra apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
- Vai, meu bem.
Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona, e dói ver a lenta agonia de um ser tão gracioso, que viveu para cantar.
- Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vítima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.
E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
Resultado de imagem para CANÁRIOChegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.
No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo.
- Ui!
Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?
- Ele estava precisando mesmo era de éter - concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.

(Elenco de Cronistas Modernos, 21ª edição – Rio de Janeiro: José Olympio - 2005)

quarta-feira, 5 de julho de 2017

TAHAN, MALBA - A LENDA DO LAGO DE SZIRA

A LENDA DO LAGO DE SZIRA
MALBA TAHAN
NOVAS LENDA ORIENTAIS, PGS.77 A 79;BEST SELLER, 2009
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TÁRTAROS MASSACRADOS PELA HORDA DE GENGIS KHAN
Nas imensas planícies geladas da Sibéria, muitas léguas distante da pitoresca Korelinsk, existe um lago – Szira-Kul -, reservatório imenso da águas salgadas, no fundo do qual o professor Iezhov, geólogo russo, descobriu as ruínas de antiqüíssima cidade.
Como explicar a existência daqueles paláciose templos sepultados nas profundezas do lago de Szira?
Interessante e sugestiva lenda tártara explica a origem das misteriosas ruínas que dormem sob o tranqüilo lençol das águas do famoso lago siberiano.
Ouçamos a curiosa fantasia.
Reza a lenda que no vale estreito, que as águas do Szira cobrem atualmente, existia, outrora, próspera e rica cidade habitada pelos tártaros Ouigur – povo guerreiro que chegou a dominar grande parte da Ásia Central. Em suntuoso templo dessa rica metrópole encontrava-se, sob grande laje, sepultado o corpo de Almagor, o último rei Ouigur.
Quis o destino que os mongóis DE Gengis Khan invadissem os domínios de Almagor. Atacado pelo poderoso inimigo, a cidade foi facilmente vencida e saqueada. Os bárbaros conquistadores massacraram os homens e escravizaram as mulheres.
Tatar girls in their traditonal dresses. Russian girls, nation.No dia em que a cidade caiu em poder dos mongóis, rompeu-se, como por encanto, a pedra que cobria o túmulo do rei Almagor. A sombra imponente desse monarca surgiu e fez-se ouvir, lúgubre, impressionante a sua voz:
- Chorai, ó mulheres tártaras! Chorai lágrimas salgadas de aflição e desespero! Chegou o último dia do povo Ouigur!
Sensibilizadas com as palavras do rei tão querido, que o amor à pátria fizera erguer da tumba, as mulheres puseram-se a chorar. E prantearam suas amarguras, dia e noite, sem descanso. Ordenaram os vencedores que elas dessem fim àquelas lamentações aflitivas. As mulheres de Ouigur, porém, não atenderam à intimação dos tiranos e continuaram com seus gemidos e soluços. Era ordem do rei Almagor, e que faziam elas senão obedecer ao rei?
Os guerreiros de Gengis Khan exasperados com aquelas lamúrias intermináveis e impelidos por indomável furor sanguinário, degolaram, sem piedade, todas as prisioneiras. As infelizes escravas, porém, mesmo depois de mortas, continuaram a chorar incessantemente, e as lágrimas ardentes e abundantes, em gotas e gotas sem fim, formaram caudalosa corrente. Esse rio de prantos invadiu o vale, submergindo jardins, palácios e mesquitas luxuosas.
Surgiu, assim, formado pelas lágrimas das inditosas esposas tártaras, o lago de Szira, em cujo seio dorme, para sempre, a cidade de Almagor.
E ainda hoje (afirmam os menos incrédulos) o viajante que se aproxima, no silêncio da noite, das margens do famoso lago ouve o eco de estranho clamor, longínquo e misterioso, que se perde pelas estepes geladas. É a voz do rei Almagor no seu último e desesperado apelo:
- Chorai, ó mulheres tártaras, chorai!
Ao geólogo (asseguram os sábios pesquisadores), ao geólogo é mais fácil, talvez, acreditar nesta lenda do que descobrir, dentro dos ditames, postulados e princípios da ciência, uma hipótese capaz de explicar a origem daquelas ruínas misteriosas que repousam no fundo de um lago gelado em meio da planície siberiana.
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ANÔNIMO - LENDA DO NEGRO D'ÁGUA

NEGRO D'ÁGUA
Lenda brasileira do nordeste

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Resultado de imagem para negro d'águaConta a lenda que o Negro D'água ou Nego D'água vive em diversos rios. Manifestando-se com suas gargalhadas. Ele é preto, careca e tem mãos e pés de pato. O Negro D'água derruba a canoa dos pescadores, se eles se negarem a dar um peixe. Em alguns locais do Brasil, ainda existem pescadores que, ao sair para pescar, levam uma garrafa de cachaça e a jogam para dentro do rio, para que não tenham sua embarcação virada. Esta é uma História bastante comum entre pessoas ribeirinhas, principalmente na Região Centro-Oeste do Brasil, muito difundida entre os pescadores, dentre os quais muitos dizem já tê-lo visto. Segundo a Lenda do Negro D'Água, ele costuma aparecer para pescadores e outras pessoas que estão em algum rio. Não há evidências de como nasceu esta Lenda, o que se sabe é que o Negro D'Água só habita os rios e raramente sai deles, seu objetivo seria o de amedrontar as pessoas que por ali passam, como partindo anzóis de pesca, furando redes dando sustos em pessoas de barco, etc. Suas características são muito peculiares, ele seria a fusão de homem negro alto e forte, com um anfíbio. Apresenta nadadeiras como de um anfíbio, corpo coberto de escamas mistas com pele.



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