sábado, 20 de maio de 2017

BEM ZIMET - O COLOMBO DE CHELEM

O COLOMBO DE CHELEM
BEM ZIMET
conto judaico

Na cidade de Chelem, vivia antigamente um homem chamado Reb Selig. Era um sábio que não podia ficar parado. Tinha o demônio das viagens no sangue e sonhava conhecer o mundo. Mas, apesar de sábio, era pobre e nunca tinha meios para pagar uma viagem ao exterior, como os ricos mercadores da cidade.
Um dia, um dos mercadores de Chelem voltou de uma visita a Varsóvia. Naquele dia e durante toda a semana não se falou de outra coisa em Chelem a não ser das maravilhas de Varsóvia, descrita pelo mercador com muita vivacidade.
E ninguém ouvia tudo mais avidamente do que Reb Selig.
A partir daquele momento, ele se comportou como um fanático, dedicado a um único objetivo: - conhecer Varsóvia.
Não conseguia mais dormir, nem comer, nem mesmo descansar um instante sequer. Sua mulher ficou assustada. Não entendia o que estava acontecendo em Selig.
Certa manhã, ele se levantou e disse a ela com olhar perdido:
- Tenho que ir a Varsóvia.
- Fazer o quê?
- Ouvi dizer que é uma cidade maravilhosa.
- Mas você não tem dinheiro.
- Irei a pé.
- Mas seus sapatos logo vão se gastar.
- Vou tirá-los e seguirei descalço.
- Você perdeu a cabeça, Selig?!
- Tenho que conhecer Varsóvia - insistiu.
Então, ele colocou numa touxinha um pouco de pão e de queijo e a pendurou nas costas. Pegou seu cajado de carvalho e, com os sapatos na mão, pôs-se a caminho, em direção à grande cidade. Reb Selig ia rápido como se tivesse asas. Não se incomodava em andar descalço e machucar os calcanhares nos pedregulhos.
Cantava o tempo todo e estava louco de alegria com a ideia de que logo veria com os próprios olhos todas as maravilhas de Varsóvia. Quando o sol estava alto no céu, Reb Selig começou a sentir a barriga roncar. Sentou-se à sombra de uma árvore, numa encruzilhada e engoliu seu almoço de pão e queijo. Depois, vencido pelo cansaço decidiu fazer uma pequena sesta, para se revigorar um pouco.
Mas, antes disso, quis se assegurar de que estava no caminho certo. “Vamos ver”, disse consigo mesmo. “Estou no cruzamento de duas estradas: uma vai para Varsóvia e a outra para Chelem. Preciso ter certeza de pegar a que leva a Varsóvia e não a que volta Chelem.”
Foi assim que ele pegou seus sapatos e os colocou na encruzilhada, com a ponta virada para Varsóvia.
“Quando acordar, estarei seguro de pegar o caminho certo”, pensou
Satisfeito consigo mesmo, deitou sobre a relva e logo adormeceu.
- Ahhhrrrrrrr! Que sono! O sono dos justos, como diria o Patriarca Jacó quando viu os anjos em sonho!
Enquanto Reb Seling dormia como uma pedra, passou um camponês em sua carroça. Vendo o par de sapatos na encruzilhada, ele disse:
- Que sorte! Olha um par de sapatos abandonados na estrada!
Parou seu cavalo, saltou da carroça e se abaixou para apanhar os calçados.
- Ah! Que a peste negra os carregue! – Murmurou. – Isso já não é mais sapato, virou peneira! E largou os sapatos que, ao cair, ficaram com a ponta voltada para Chelem.
Passado algum tempo, Reb Selig acabou despertando. Ao se lembrar de onde estava, pulou e ficou de pé, muito ansioso por prosseguir viagem.
- Que inteligência de minha parte, vangloriou-se, - ter tido a brilhante idéia de colocar os sapatos com a ponta virada para Varsóvia! Agora, não vou errar!
E se foi.
Logo a cidade apareceu no horizonte.
Selig apertou o passo.
Atravessando as ruas, ele não parava de se maravilhar com a estranha aparência das coisas, das casas, das ruas e das pessoas.
- Tão certo quanto estou vivo e respiro – exclamou, - Varsóvia não é tão grande quanto eu esperava. Na verdade, Varsóvia e Chelem se parecem, como duas gotas d’água.
Prosseguiu caminho e, passando diante da casa de banhos rituais, um homem sentado à porta o saudou amavelmente com um:
- Sholem aleichem! Que a paz esteja com você!
Selig respondeu com um vigoroso:
- Aleichem sholem! Com você esteja a paz!
- Tão certo quanto meu nome é Selig, - murmurou com seus botões – esse homem se parece com Fishel, o funcionário dos banhos lá de Chelem, e o edifício também se parece com o nosso. Que está acontecendo?
Logo ele se encontrou diante da sinagoga.
- Mas... é a cópia exata da nossa sinagoga!, pensou ele, completamente espantado.
O hábito o levou a entrar.
O que ele viu arrepiou-lhe os cabelos.
- Se eu não soubesse que agora estou em Varsóvia, juraria que todas as pessoas que vejo aqui são meus próprios vizinhos, resmungou com seus botões.
E enquanto ficava ali de boca aberta, o shames, isto é, o zelador da sinagoga, passou diante dele dando-lhe um cutucão e uma pisadela nos calos.
- Fora do meu caminho! – gritou ele.
- Tão certo quanto existe um Deus no Paraíso, - refletiu Selig, sem acreditar nos próprios olhos, - não somente esse shames se parece com o de Chelem, mas fala e se comporta exatamente como ele.
- Estranho muito estranho.
Reb Selig saiu da sinagoga num estado de extrema confusão.
- 0 que significa tudo isso?, - ele se indagava, perplexo.
Ficou tão mergulhado em seus pensamentos que nem percebeu para onde estava indo.
Repentinamente, ergueu a cabeça e se viu numa rua que lhe pareceu muito familiar.
- Santo Deus! – exclamou. – Eu diria até que é a minha rua! Então Varsóvia é isto? Que decepção! Precisei me dar todo esse trabalho para chegar a uma rua parecida com a minha?
Diante de uma casa que, esta também parecia exatamente com a sua, ele viu algumas crianças brincando de encaçapar avelãs num buraco.
- Que eu quebre as mãos e os pés se não for meu filho Moishele, ali brincando!
Bem nessa hora, uma mulher apareceu na janela e gritou:
- Ei, Selig, o que é que você faz aí no meio da rua, de boca aberta como um idiota? Entre logo, o jantar está pronto!
Selig ficou maravilhado. Poderia jurar que aquela era a irmã gêmea de sua própria mulher, Léa! E, além disso, falava exatamente como ela. A propósito não o chamara de Selig?
Entrou então na casa e fingiu ser Selig, o marido de Léa.
Como esperava, a casa era mobiliada exatamente como a sua. Sentou-se à mesa. Como esperava também, o assado estava queimado, exatamente como sua mulher Léa costumava fazer.
- Minha única conclusão possível, - pensou Reb Selig, - é que a cidade de Varsóvia é perfeitamente idêntica à cidade de Chelem, até nos mínimos detalhes.
- É certo que tem uma casa que se parece com a minha, uma mulher como a minha, e um garotinho como o meu Moishele, e o nome do marido também é Selig. Mas eu sei muito bem que não são os meus.
Então Reb Selig ficou lá, pensativo, e começou a ter saudades de sua pequena família, lá em Chelem.
- O que me irrita de verdade, observou por fim, - é que eu gostaria de saber se o Selig de Varsóvia, que mora nesta casa, é também idêntica a mim. Sei que seu nome é Selig e que ele se parece comigo. A pergunta que faço é: quem é ele e onde ele está?
E é assim que Reb Selig, se ele ainda estiver vivo, espera todos os dias, com aquela paciência tão característica dos habitantes de Chelem, a chegada do outro Selig, o de Varsóvia!!!Resultado de imagem para aldeia polonesa

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