O COLOMBO DE CHELEM
BEM ZIMET
conto judaico
conto judaico
Na cidade de Chelem, vivia antigamente um
homem chamado Reb Selig. Era um sábio que não podia ficar parado. Tinha o
demônio das viagens no sangue e sonhava conhecer o mundo. Mas, apesar de sábio,
era pobre e nunca tinha meios para pagar uma viagem ao exterior, como os ricos
mercadores da cidade.
Um dia, um dos mercadores de Chelem voltou
de uma visita a Varsóvia. Naquele dia e durante toda a semana não se falou de
outra coisa em Chelem a não ser das maravilhas de Varsóvia, descrita pelo
mercador com muita vivacidade.
E ninguém ouvia tudo mais avidamente do que
Reb Selig.
A partir daquele momento, ele se comportou
como um fanático, dedicado a um único objetivo: - conhecer Varsóvia.
Não conseguia mais dormir, nem comer, nem
mesmo descansar um instante sequer. Sua mulher ficou assustada. Não entendia o
que estava acontecendo em Selig.
Certa manhã, ele se levantou e disse a ela
com olhar perdido:
- Tenho que ir a Varsóvia.
- Fazer o quê?
- Ouvi dizer que é uma cidade maravilhosa.
- Mas você não tem dinheiro.
- Irei a pé.
- Mas seus sapatos logo vão se gastar.
- Vou tirá-los e seguirei descalço.
- Você perdeu a cabeça, Selig?!
- Tenho que conhecer Varsóvia - insistiu.
Então, ele colocou numa touxinha um pouco
de pão e de queijo e a pendurou nas costas. Pegou seu cajado de carvalho e, com
os sapatos na mão, pôs-se a caminho, em direção à grande cidade. Reb Selig ia
rápido como se tivesse asas. Não se incomodava em andar descalço e machucar os
calcanhares nos pedregulhos.
Cantava o tempo todo e estava louco de
alegria com a ideia de que logo veria com os próprios olhos todas as maravilhas
de Varsóvia. Quando o sol estava alto no céu, Reb Selig começou a sentir a
barriga roncar. Sentou-se à sombra de uma árvore, numa encruzilhada e engoliu seu
almoço de pão e queijo. Depois, vencido pelo cansaço decidiu fazer uma pequena
sesta, para se revigorar um pouco.
Mas, antes disso, quis se assegurar de que
estava no caminho certo. “Vamos ver”, disse consigo mesmo. “Estou no cruzamento
de duas estradas: uma vai para Varsóvia e a outra para Chelem. Preciso ter
certeza de pegar a que leva a Varsóvia e não a que volta Chelem.”
Foi assim que ele pegou seus sapatos e os
colocou na encruzilhada, com a ponta virada para Varsóvia.
“Quando acordar, estarei seguro de pegar o
caminho certo”, pensou
Satisfeito consigo mesmo, deitou sobre a
relva e logo adormeceu.
- Ahhhrrrrrrr! Que sono! O sono dos justos,
como diria o Patriarca Jacó quando viu os anjos em sonho!
Enquanto Reb Seling dormia como uma pedra,
passou um camponês em sua carroça. Vendo o par de sapatos na encruzilhada, ele
disse:
- Que sorte! Olha um par de sapatos
abandonados na estrada!
Parou seu cavalo, saltou da carroça e se abaixou
para apanhar os calçados.
- Ah! Que a peste negra os carregue! –
Murmurou. – Isso já não é mais sapato, virou peneira! E largou os sapatos que,
ao cair, ficaram com a ponta voltada para Chelem.
Passado algum tempo, Reb Selig acabou
despertando. Ao se lembrar de onde estava, pulou e ficou de pé, muito ansioso por
prosseguir viagem.
- Que inteligência de minha parte,
vangloriou-se, - ter tido a brilhante idéia de colocar os sapatos com a ponta
virada para Varsóvia! Agora, não vou errar!
E se foi.
Logo a cidade apareceu no horizonte.
Selig apertou o passo.
Atravessando as ruas, ele não parava de se
maravilhar com a estranha aparência das coisas, das casas, das ruas e das
pessoas.
- Tão certo quanto estou vivo e respiro –
exclamou, - Varsóvia não é tão grande quanto eu esperava. Na verdade, Varsóvia
e Chelem se parecem, como duas gotas d’água.
Prosseguiu caminho e, passando diante da
casa de banhos rituais, um homem sentado à porta o saudou amavelmente com um:
- Sholem
aleichem! Que a paz esteja com você!
Selig respondeu com um vigoroso:
- Aleichem
sholem! Com você esteja a paz!
- Tão certo quanto meu nome é Selig, -
murmurou com seus botões – esse homem se parece com Fishel, o funcionário dos
banhos lá de Chelem, e o edifício também se parece com o nosso. Que está
acontecendo?
Logo ele se encontrou diante da sinagoga.
- Mas... é a cópia exata da nossa
sinagoga!, pensou ele, completamente espantado.
O hábito o levou a entrar.
O que ele viu arrepiou-lhe os cabelos.
- Se eu não soubesse que agora estou em
Varsóvia, juraria que todas as pessoas que vejo aqui são meus próprios
vizinhos, resmungou com seus botões.
E enquanto ficava ali de boca aberta, o shames, isto é, o zelador da sinagoga, passou diante dele dando-lhe um
cutucão e uma pisadela nos calos.
- Fora do meu caminho! – gritou ele.
- Tão certo quanto existe um Deus no
Paraíso, - refletiu Selig, sem acreditar nos próprios olhos, - não somente esse
shames se parece com o de Chelem, mas
fala e se comporta exatamente como ele.
- Estranho muito estranho.
Reb Selig saiu da sinagoga num estado de
extrema confusão.
- 0 que significa tudo isso?, - ele se
indagava, perplexo.
Ficou tão mergulhado em seus pensamentos
que nem percebeu para onde estava indo.
Repentinamente, ergueu a cabeça e se viu
numa rua que lhe pareceu muito familiar.
- Santo Deus! – exclamou. – Eu diria até
que é a minha rua! Então Varsóvia é isto? Que decepção! Precisei me dar todo
esse trabalho para chegar a uma rua parecida com a minha?
Diante de uma casa que, esta também parecia
exatamente com a sua, ele viu algumas crianças brincando de encaçapar avelãs num
buraco.
- Que eu quebre as mãos e os pés se não for
meu filho Moishele, ali brincando!
Bem nessa hora, uma mulher apareceu na
janela e gritou:
- Ei, Selig, o que é que você faz aí no
meio da rua, de boca aberta como um idiota? Entre logo, o jantar está pronto!
Selig ficou maravilhado. Poderia jurar que
aquela era a irmã gêmea de sua própria mulher, Léa! E, além disso, falava
exatamente como ela. A propósito não o chamara de Selig?
Entrou então na casa e fingiu ser Selig, o
marido de Léa.
Como esperava, a casa era mobiliada
exatamente como a sua. Sentou-se à mesa. Como esperava também, o assado estava
queimado, exatamente como sua mulher Léa costumava fazer.
- Minha única conclusão possível, - pensou
Reb Selig, - é que a cidade de Varsóvia é perfeitamente idêntica à cidade de
Chelem, até nos mínimos detalhes.
- É certo que tem uma casa que se parece
com a minha, uma mulher como a minha, e um garotinho como o meu Moishele, e o
nome do marido também é Selig. Mas eu sei muito bem que não são os meus.
Então Reb Selig ficou lá, pensativo, e começou
a ter saudades de sua pequena família, lá em Chelem.
- O que me irrita de verdade, observou por
fim, - é que eu gostaria de saber se o Selig de Varsóvia, que mora nesta casa,
é também idêntica a mim. Sei que seu nome é Selig e que ele se parece comigo. A
pergunta que faço é: quem é ele e onde ele está?
E é assim que Reb Selig, se ele ainda
estiver vivo, espera todos os dias, com aquela paciência tão característica dos
habitantes de Chelem, a chegada do outro Selig, o de Varsóvia!!!
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