quarta-feira, 31 de maio de 2017

OSCAR WILDE - O GIGANTE EGOÍSTA

O GIGANTE EGOÍSTA
Oscar Wilde
Todas as tardes, ao saírem do colégio, as crianças costumavam ir brincar no jardim do Gigante.
Resultado de imagem para GIGANTEEra um jardim lindo e grande, com grama verde e suave. Aqui e ali, sobre a grama, apareciam flores belas como estrelas, e havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam--se em flores delicadas em tons de rosa e pérola, e davam ricos frutos no outono. Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças costumavam parar de brincar para ouvi-los.
- Como nos sentimos felizes aqui! – exclamavam elas.
Certo dia o gigante voltou. Ele tinha andado visitando seu amigo, o ogro da Cornualha, e ali ficara sete anos. Depois de sete anos ele já havia dito tudo o que tinha e o que não tinha para dizer, já que sua conversa era limitada, e resolveu voltar para seu próprio castelo. Ao chegar, viu as crianças brincando no jardim.
- O que é que vocês estão fazendo aqui? – gritou ele com uma voz muito ríspida, e as crianças saíram correndo.
- O meu jardim é meu jardim – disse o Gigante. – Qualquer um pode compreender isso. Eu não vou permitir que ninguém brinque nele, a não ser eu mesmo.
De modo que ele construiu um muro alto em torno do jardim e colocou um cartaz de aviso.
Proibido entrada de estranhos
Quem desobedecer será castigado
Ele era um Gigante muito egoísta. As pobres crianças agora não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar na estrada, mas a estrada era muito poeirenta e cheia de pedras duras, e eles não gostavam. Começaram a passear em torno do muro depois das aulas, conversando sobre o lindo jardim que ficava lá dentro. “Como éramos felizes lá!”, diziam umas ás outras.
Então chegou a Primavera, e por todo o país apareceram pequenas flores e pequenos pássaros. Só no jardim do Gigante Egoísta é que continuava a ser inverno. Os passarinhos não gostavam de cantar lá, porque não havia crianças, e as árvores se esqueceram de florescer. Uma vez uma flor bonita chegou a brotar, mas ao ver o cartaz de aviso ficou com tanta pena das crianças que se enfiou de volta no chão e adormeceu. Os únicos que estavam contentes eram a Neve e o Gelo.
Resultado de imagem para INVERNO NO CASTELO- A Primavera se esqueceu deste jardim – eles exclamaram -, de modo que podemos viver aqui o ano inteiro.
A neve cobriu toda a grama com seu manto branco, e o Gelo pintou todas as árvores de prata. Eles convidaram o Vento do Norte para se hospedar com eles, e ele veio. Todo enrolado em peles, rugia o dia inteiro pelo jardim, derrubando as chaminés com seu sopro.
- Este lugar é ótimo – disse ele. – Nós precisamos convidar o Granizo para vir fazer uma visita. E o Granizo apareceu. Todos os dias, durante três horas, ele matracava no telhado do castelo até quebrar quase todas as telhas, e depois corria, dando voltas pelo jardim o mais depressa que podia. Sempre vestido de cinza, soprava gelo para todo lado.
- Não entendo porque a Primavera está demorando tanto a chegar! – disse o Gigante Egoísta, sentado junto à janela e olhando para seu jardim frio e branco. – Espero que o tempo mude logo.
Mas a Primavera não apareceu, nem o Verão. O Outono trouxe frutos dourados para todos os jardins, mas nenhum para o do Gigante.
- Ele é muito egoísta – disse o Outono.
De modo que ali ficou sendo sempre inverno, e o Vento Norte e o Granizo, a Neve e o Gelo dançavam em meio às árvores.
Certa manhã, o Gigante estava deitado, acordado, na cama, quando ouviu uma música linda Soava com tal doçura em seus ouvidos que ele até pensou que deviam ser os músicos do Rei que passavam. Na realidade era apenas um pequeno pintarroxo cantando do lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que ele não ouvia um só passarinho em seu jardim que aquela parecia ser a música mais bonita do mudo. E então o Granizo parou de dançar sobre a cabeça dele, e o Vento do Norte parou de rugir, e um perfume delicioso chegou até ele, através da janela aberta.
- Acho que finalmente a Primavera chegou – disse o Gigante. – E, pulando da cama, olhou para fora.
E o que viu?
A visão mais bonita que se possa imaginar. Por um buraquinho no muro as crianças haviam conseguido entrar, e estavam todas sentadas nos ramos das árvores. Em todas as árvores que ele conseguia ver havia uma criança. E as árvores estavam tão contentes de ter as crianças de volta que se cobriram de flores, balançando delicadamente os galhos, por cima da cabeça da meninada. Os passarinhos voavam de um lado para o outro, chilreando de prazer, e as flores espiavam e riam. Era uma cena linda, e só em um canto é que continuava a ser inverno. Era o canto mais distante do jardim, e nele estava de pé um menininho. Ele era tão pequeno que não conseguia alcançar os ramos da árvore, e ficou andando em volta dela, chorando, muito sentido. A pobre árvore continuava coberta de neve e de gelo, e o Vento do Norte soprava e rugia acima dela.
- Sobe logo, menino! – dizia a Árvore, curvando os ramos o mais que podia. Mas o menino era pequeno demais.
E o coração do Gigante se derreteu quando ele olhou lá para fora.
- Como eu tenho sido egoísta! – disse. – Agora já sei por que a Primavera não aparecia por aqui. Eu vou colocar aquele menininho em cima daquela árvore, depois vou derrubar o muro, e meu jardim será um lugar onde as crianças poderão brincar para todo o sempre.
Resultado de imagem para  CASTELO FLORIDOEle estava realmente arrependido do que tinha feito. E assim, desceu a escada, abriu a porta da frente com toda a delicadeza, e saiu para o jardim. Mas quando as crianças o viram ficaram tão assustadas que fugiram, e o inverno voltou ao jardim. Só o menininho pequeno é que não fugiu, porque seus olhos estavam marejados de lágrimas e não viu o Gigante chegar. E este aproximou-se de mansinho por trás dele, pegou delicadamente em sua mão e o colocou em cima da árvore. A árvore imediatamente floresceu, e os passarinhos vieram cantar nela; e o menininho esticou os braços, passou-os em torno do pescoço do Gigante e o beijou. Quando perceberam que o Gigante não era mais mau, as outras crianças voltaram correndo, e com elas veio a Primavera.
- Agora o jardim é de vocês, crianças – disse o Gigante. E pegando um imenso machado, derrubou o muro. Quando toda a gente começava a ir para o mercado, ao meio-dia, lá estava o Gigante brincando com as crianças no jardim mais bonito que todos já haviam visto.
Elas brincavam o dia inteiro, mas quando chegava a noite despediam-se do Gigante.
- Mas onde está seu companheirinho? – perguntou ele.- O menino que eu botei em cima da árvore. O Gigante gostava dele mais do que de todos os outros, porque ele lhe havia dado um beijo.
- Nós não sabemos – responderam as crianças. – Ele foi embora.
- Vocês têm de dizer-lhe para não deixar de vir aqui amanhã – disse o Gigante.
Mas as crianças disseram que não sabiam onde ele morava, e que jamais o haviam visto antes. O Gigante ficou muito triste.
Todas as tardes, quando acabavam as aulas, as crianças iam brincar com o Gigante. Mas o menininho de quem o Gigante gostava nunca mais apareceu. O Gigante era muito bondoso com todas as crianças, mas sentia saudades de seu primeiro amiguinho, e muitas vezes falava nele.
- Como eu gostaria de vê-lo! – costumava dizer.
Os anos se passaram, e o Gigante ficou mais velho e fraco. Ele já não conseguia brincar direito, e então ficava sentado em uma poltrona enorme, olhando as crianças que brincavam e admirando o seu jardim.
- Tenho tantas flores lindas – dizia ele -, ma as crianças são as flores mais bonitas de todas.
Certa manhã de inverno, ele olhou pela janela enquanto se vestia. Agora já não odiava o inverno, pois sabia que este era apenas a Primavera enquanto dormia, e que as flores estavam descansando.
De repente ele esfregou os olhos, espantado, e olhou, e olhou, e voltou a olhar. Era por certo uma visão maravilhosa. No cantinho mais distante do jardim havia uma árvore toda coberta de flores brancas. Seus ramos eram dourados, carregados de frutos de prata, e debaixo deles estava o menininho que ele amava.
O Gigante correu pelas escadas, com a maior alegria, e saiu para o jardim. Cruzou depressa o gramado e chegou perto do menino. E quando chegou bem perto, seu rosto ficou rubro de raiva, e ele disse:
 Quem ousou te ferir? Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos, como haviam também marcas de dois pregos em seus pezinhos.
- Quem ousou te ferir? – gritou o Gigante. – Diz-me, para que eu possa tomar de minha grande espada para matá-lo.
- Não – respondeu o menino -, pois essas são as feridas do Amor.
- Quem és? – perguntou o Gigante, e quando o temor apossou-se dele, ajoelhou-se diante da criança.
A criança sorriu para o Gigante e lhe disse:
- Você me deixou, certa vez, brincar em seu jardim, e hoje você irá comigo para o meu jardim que é o Paraíso.
Naquela tarde, quando as crianças chegaram correndo, encontraram o Gigante morto, deitado debaixo da árvore, todo coberto por flores brancas.


sábado, 20 de maio de 2017

AUGUSTO GIL - BALADA DA NEVE

BALADA DA NEVE
AUGUSTO GIL
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza

e cai no meu coração.

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BEM ZIMET - O COLOMBO DE CHELEM

O COLOMBO DE CHELEM
BEM ZIMET
conto judaico

Na cidade de Chelem, vivia antigamente um homem chamado Reb Selig. Era um sábio que não podia ficar parado. Tinha o demônio das viagens no sangue e sonhava conhecer o mundo. Mas, apesar de sábio, era pobre e nunca tinha meios para pagar uma viagem ao exterior, como os ricos mercadores da cidade.
Um dia, um dos mercadores de Chelem voltou de uma visita a Varsóvia. Naquele dia e durante toda a semana não se falou de outra coisa em Chelem a não ser das maravilhas de Varsóvia, descrita pelo mercador com muita vivacidade.
E ninguém ouvia tudo mais avidamente do que Reb Selig.
A partir daquele momento, ele se comportou como um fanático, dedicado a um único objetivo: - conhecer Varsóvia.
Não conseguia mais dormir, nem comer, nem mesmo descansar um instante sequer. Sua mulher ficou assustada. Não entendia o que estava acontecendo em Selig.
Certa manhã, ele se levantou e disse a ela com olhar perdido:
- Tenho que ir a Varsóvia.
- Fazer o quê?
- Ouvi dizer que é uma cidade maravilhosa.
- Mas você não tem dinheiro.
- Irei a pé.
- Mas seus sapatos logo vão se gastar.
- Vou tirá-los e seguirei descalço.
- Você perdeu a cabeça, Selig?!
- Tenho que conhecer Varsóvia - insistiu.
Então, ele colocou numa touxinha um pouco de pão e de queijo e a pendurou nas costas. Pegou seu cajado de carvalho e, com os sapatos na mão, pôs-se a caminho, em direção à grande cidade. Reb Selig ia rápido como se tivesse asas. Não se incomodava em andar descalço e machucar os calcanhares nos pedregulhos.
Cantava o tempo todo e estava louco de alegria com a ideia de que logo veria com os próprios olhos todas as maravilhas de Varsóvia. Quando o sol estava alto no céu, Reb Selig começou a sentir a barriga roncar. Sentou-se à sombra de uma árvore, numa encruzilhada e engoliu seu almoço de pão e queijo. Depois, vencido pelo cansaço decidiu fazer uma pequena sesta, para se revigorar um pouco.
Mas, antes disso, quis se assegurar de que estava no caminho certo. “Vamos ver”, disse consigo mesmo. “Estou no cruzamento de duas estradas: uma vai para Varsóvia e a outra para Chelem. Preciso ter certeza de pegar a que leva a Varsóvia e não a que volta Chelem.”
Foi assim que ele pegou seus sapatos e os colocou na encruzilhada, com a ponta virada para Varsóvia.
“Quando acordar, estarei seguro de pegar o caminho certo”, pensou
Satisfeito consigo mesmo, deitou sobre a relva e logo adormeceu.
- Ahhhrrrrrrr! Que sono! O sono dos justos, como diria o Patriarca Jacó quando viu os anjos em sonho!
Enquanto Reb Seling dormia como uma pedra, passou um camponês em sua carroça. Vendo o par de sapatos na encruzilhada, ele disse:
- Que sorte! Olha um par de sapatos abandonados na estrada!
Parou seu cavalo, saltou da carroça e se abaixou para apanhar os calçados.
- Ah! Que a peste negra os carregue! – Murmurou. – Isso já não é mais sapato, virou peneira! E largou os sapatos que, ao cair, ficaram com a ponta voltada para Chelem.
Passado algum tempo, Reb Selig acabou despertando. Ao se lembrar de onde estava, pulou e ficou de pé, muito ansioso por prosseguir viagem.
- Que inteligência de minha parte, vangloriou-se, - ter tido a brilhante idéia de colocar os sapatos com a ponta virada para Varsóvia! Agora, não vou errar!
E se foi.
Logo a cidade apareceu no horizonte.
Selig apertou o passo.
Atravessando as ruas, ele não parava de se maravilhar com a estranha aparência das coisas, das casas, das ruas e das pessoas.
- Tão certo quanto estou vivo e respiro – exclamou, - Varsóvia não é tão grande quanto eu esperava. Na verdade, Varsóvia e Chelem se parecem, como duas gotas d’água.
Prosseguiu caminho e, passando diante da casa de banhos rituais, um homem sentado à porta o saudou amavelmente com um:
- Sholem aleichem! Que a paz esteja com você!
Selig respondeu com um vigoroso:
- Aleichem sholem! Com você esteja a paz!
- Tão certo quanto meu nome é Selig, - murmurou com seus botões – esse homem se parece com Fishel, o funcionário dos banhos lá de Chelem, e o edifício também se parece com o nosso. Que está acontecendo?
Logo ele se encontrou diante da sinagoga.
- Mas... é a cópia exata da nossa sinagoga!, pensou ele, completamente espantado.
O hábito o levou a entrar.
O que ele viu arrepiou-lhe os cabelos.
- Se eu não soubesse que agora estou em Varsóvia, juraria que todas as pessoas que vejo aqui são meus próprios vizinhos, resmungou com seus botões.
E enquanto ficava ali de boca aberta, o shames, isto é, o zelador da sinagoga, passou diante dele dando-lhe um cutucão e uma pisadela nos calos.
- Fora do meu caminho! – gritou ele.
- Tão certo quanto existe um Deus no Paraíso, - refletiu Selig, sem acreditar nos próprios olhos, - não somente esse shames se parece com o de Chelem, mas fala e se comporta exatamente como ele.
- Estranho muito estranho.
Reb Selig saiu da sinagoga num estado de extrema confusão.
- 0 que significa tudo isso?, - ele se indagava, perplexo.
Ficou tão mergulhado em seus pensamentos que nem percebeu para onde estava indo.
Repentinamente, ergueu a cabeça e se viu numa rua que lhe pareceu muito familiar.
- Santo Deus! – exclamou. – Eu diria até que é a minha rua! Então Varsóvia é isto? Que decepção! Precisei me dar todo esse trabalho para chegar a uma rua parecida com a minha?
Diante de uma casa que, esta também parecia exatamente com a sua, ele viu algumas crianças brincando de encaçapar avelãs num buraco.
- Que eu quebre as mãos e os pés se não for meu filho Moishele, ali brincando!
Bem nessa hora, uma mulher apareceu na janela e gritou:
- Ei, Selig, o que é que você faz aí no meio da rua, de boca aberta como um idiota? Entre logo, o jantar está pronto!
Selig ficou maravilhado. Poderia jurar que aquela era a irmã gêmea de sua própria mulher, Léa! E, além disso, falava exatamente como ela. A propósito não o chamara de Selig?
Entrou então na casa e fingiu ser Selig, o marido de Léa.
Como esperava, a casa era mobiliada exatamente como a sua. Sentou-se à mesa. Como esperava também, o assado estava queimado, exatamente como sua mulher Léa costumava fazer.
- Minha única conclusão possível, - pensou Reb Selig, - é que a cidade de Varsóvia é perfeitamente idêntica à cidade de Chelem, até nos mínimos detalhes.
- É certo que tem uma casa que se parece com a minha, uma mulher como a minha, e um garotinho como o meu Moishele, e o nome do marido também é Selig. Mas eu sei muito bem que não são os meus.
Então Reb Selig ficou lá, pensativo, e começou a ter saudades de sua pequena família, lá em Chelem.
- O que me irrita de verdade, observou por fim, - é que eu gostaria de saber se o Selig de Varsóvia, que mora nesta casa, é também idêntica a mim. Sei que seu nome é Selig e que ele se parece comigo. A pergunta que faço é: quem é ele e onde ele está?
E é assim que Reb Selig, se ele ainda estiver vivo, espera todos os dias, com aquela paciência tão característica dos habitantes de Chelem, a chegada do outro Selig, o de Varsóvia!!!Resultado de imagem para aldeia polonesa

quinta-feira, 11 de maio de 2017

STANISLAW PONTE PRETA - VAMOS ACABAR COM ESTA FOLGA

VAMOS ACABAR COM ESTA FOLGA

STANISLAW PONTE PRETA (SÉRGIO PORTO)

Resultado de imagem para malandro da lapaO negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.
De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:
— Isso é comigo?
— Pode ser com você também — respondeu o alemão.
Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.
O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:
— Isso é comigo?
O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.
Resultado de imagem para malandro da lapaComo, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.


Um texto curto, extraído do livro "O Melhor da Crônica Brasileira - 1", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997, pág. 71, nos faz recordar o humor de Stanislaw (Sérgio Porto) e pensar na falta que ele nos faz.