segunda-feira, 10 de novembro de 2014

CONTO AFRICANO(ETIÓPIA) - OS DOIS REIS DE GONDAR

NOTA: HÁ CONTO INDU COM OS MESMOS PERSONAGENS E PRATICAMENTE A MESMA HISTÓRIA, SÓ QUE O DESFECHO DESTA HISTÓRIA, PARECEU-ME MAIS COMPLETO E HUMANO, POR ISSO O ELEGI PARA TRANSCREVER DO LIVRO O PRÍNCIPE MEDROSO E OUTROS CONTOS AFRICANOS DE ANNA SOLER-PONT

OS DOIS REIS DE GONDAR
CONTO AFRICANO

Era um dia como os de outrora... e um pobre camponês, tão pobre que tinha apenas a pele sobre os ossos e três galinhas que ciscavam alguns grãos de teff que encontravam pela terra poeirenta, estava sentado na entrada da sua velha cabana como todo fim de tarde. De repente, viu chegar um caçador montado a cavalo. O caçador se aproximou, desmontou, cumprimentou-o e disse:
- Eu me pedi pela montanha e estou procurando o caminho que leva à cidade de Gondar.
- Gondar? Fica a dois dias daqui – respondeu o camponês – O sol já está se pondo e seria mais sensato se você passasse a noite aqui e partisse  de manhã cedo.
O camponês pegou uma das suas três galinhas, matou-a, cozinhou-a no fogão a lenha e preparou um bom jantar, que ofereceu ao caçador. Depois de comerem os dois juntos sem falar muito, o camponês ofereceu sua cama ao caçador e foi dormir no chão ao lado do fogo.
No dia seguinte bem cedo, quando o caçador acordou, o camponês explicou-lhe como teria que fazer para chegar a Gondar:
- Você tem que se enfiar no bosque até encontrar um rio, e deve atravessá-lo com seu cavalo com muito cuidado para não passar pela parte mais funda. Depois tem que seguir por um caminho à beira de um precipício até chegar a uma estrada mais larga...
O caçador, que ouvia com atenção, disse:
- Acho que vou me perder de novo. Não conheço esta região. Quando a gente chegar, gostaria de conhecer o rei, eu nunca o vi.
- Você irá vê-lo, prometo.
O camponês fechou a porta da sua cabana, montou na garupa do caçador e começaram o  trajeto. Passaram horas e horas atravessando montanhas e bosques, e mais uma noite inteira. Quando iam por caminhos sem sombra, o camponês abria seu grande guarda-chuva preto, e os dois se protegiam do sol. E quando por fim viram a cidade de Gondar no horizonte, o camponês perguntou ao caçador:
- E como é que se reconhece um rei?
- Não se preocupe, é muito fácil: quando todo mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz outra, diferente. Observe bem as pessoas à sua volta e você o reconhecerá.
Pouco depois, os dois homens chegaram à cidade e o caçador tomou o caminho do palácio. Havia um monte de gente diante da porta, falando e contando histórias, até que, ao verem os dois homens a cavalo , se afastaram da porta e se ajoelharam à sua passagem. O camponês não entendia nada. Todos estavam ajoelhados, exceto ele e o caçador, que iam a cavalo.
- Onde será que está o rei? – perguntou o camponês. – Não o estou vendo!
- Agora vamos entrar no palácio e você o verá, garanto!
E os dois homens entraram a cavalo dentro do palácio. O camponês estava inquieto. De longe via uma fila de pessoas e de guardas também a cavalo que os esperavam na entrada. Quando passaram na frente deles, os guardas desmontaram e somente os dois continuaram em cima do cavalo. O camponês começou a ficar nervoso:
- Você me falou que quando todo o mundo faz a mesma coisa... Mas onde está o rei?
- Paciência! Você já vai reconhecê-lo! É só lembrar que, quando todos fazem a mesma coisa, o rei faz outra.
Os dois homens desmontaram do cavalo e entraram numa sala imensa do palácio. Todos os nobres, os cortesãos e os conselheiros reais tiraram o chapéu ao vê-los. Todos estavam sem chapéu, exceto o caçador e o camponês, que tampouco entendia para que servia andar de chapéu dentro de um palácio. O camponês chegou perto do caçador e murmurou:
- Não o estou vendo!
- Não seja impaciente, você vai acabar reconhecendo-o! Venha sentar comigo.
E os dois homens se instalaram num grande sofá muito confortável. Todo mundo ficou de pé à sua volta. O camponês estava cada vez mais inquieto. Observou bem tudo o que via, aproximou-se do caçador e perguntou:
- Quem é o rei? Você ou eu?
O caçador começou a rir e disse:
Eu sou o rei, mas você também é um rei, porque sabe acolher um estrangeiro!
E o caçador e o camponês ficaram amigos por muitos e muitos anos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

ANANSE - LENDA AFRICANA COLHIDA NO BAÚ DAS LETRAS

Ananse
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Ananse, ou Anansi, é uma lenda africana. Conta um caso interessante, no qual no mundo antigo não havia histórias e por isso viver aqui era muito triste.
Houve um tempo em que na Terra não havia histórias para se contar, pois todas pertenciam a Nyame, o Deus do Céu. Kwaku Ananse, o Homem Aranha, queria comprar as histórias de Nyame, o Deus do Céu, para contar ao povo de sua aldeia, então por isso um dia, ele teceu uma imensa teia de prata que ia do céu até o chão e por ela subiu.
Quando Nyame ouviu Ananse dizer que queria comprar as suas histórias, ele riu muito e falou: - O preço de minhas histórias, Ananse, é que você me traga Osebo, o leopardo de dentes terríveis; Mmboro os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu.
Ele pensava que com isso, faria Ananse desistir da idéia, mas ele apenas respondeu: - Pagarei seu preço com prazer, ainda lhe trago Ianysiá, minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Novamente o Deus do Céu riu muito e falou: - Ora Ananse, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, tão pequeno, pagar o meu preço?
Mas Ananse nada respondeu, apenas desceu por sua teia de prata que ia do Céu até o chão para pegar as coisas que Deus exigia. Ele correu por toda a selva até que encontrou Osebo, leopardo de dentes terríveis. - Aha, Ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço.
- O que tiver de ser será - disse Ananse - Mas primeiro vamos brincar do jogo de amarrar? O leopardo que adorava jogos, logo se interessou: - Como se joga este jogo? - Com cipós, eu amarro você pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me amarrar. Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa. - disse Ananse. - Muito bem, rosnou o leopardo que planejava devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.
Ananse, então, amarrou Osebo pelo pé, pelo pé e pelo pé, e quando ele estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo: - Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame o Deus do Céu.
Aí, Ananse cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e atravessou o mato alto até a casa de Mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto sobre a casa de Mmboro dizendo: - Está chovendo, chovendo, chovendo, vocês não gostariam de entrar na minha cabaça para que a chuva não estrague suas asas? - Muito obrigado, Muito obrigado!, zumbiram os marimbondos entrando para dentro da cabaça que Ananse tampou rapidamente.
O Homem Aranha, então, pendurou a cabaça na árvore junto a Osebo dizendo: - Agora Mmboro, você está pronto para encontrar Nyame, o Deus do Céu.
Depois, ele esculpiu uma boneca de madeira, cobriu-a de cola da cabeça aos pés, e colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó em sua cabeça, e foi se esconder atrás de um arbusto próximo, segurando a outra ponta do cipó e esperou. Minutos depois chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando, dançando, dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame.
- Bebê de borracha. Estou com tanta fome, poderia dar-me um pouco de seu inhame?
Ananse puxou a sua ponta do cipó para que parecesse que a boneca dizia sim com a cabeça, a fada, então, comeu tudo, depois agradeceu: - Muito obrigada bebê de borracha.
Mas a boneca nada respondeu, a fada, então, ameaçou: - Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou te bater.
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo: - Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa."
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando agora, com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também ficaram presos. Ananse então, saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde estavam Osebo e Mmboro dizendo: - Agora Mmoatia, você está pronta para encontrar Nyame o Deus do Céu.
Aí, ele foi a casa de Ianysiá sua velha mãe, sexta filha de sua avó e disse: - Ianysiá venha comigo vou dá-la a Nyame em troca de suas histórias.
Depois, ele teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o Céu e por ela subiu carregando seus tesouros até os pés do trono de Nyame. - Ave Nyame! - disse ele -Aqui está o preço que você pede por suas histórias: Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu. Ainda lhe trouxe Ianysiá minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Nyame ficou maravilhado, e chamou todos de sua corte dizendo: - O pequeno Ananse, trouxe o preço que peço por minhas histórias, de hoje em diante, e para sempre, elas pertencem a Ananse e serão chamadas de histórias do Homem Aranha! Cantem em seu louvor!
Ananse, maravilhado, desceu por sua teia de prata levando consigo o baú das histórias até o povo de sua aldeia, e quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo vindo chegar até aqui.
♥♥♥

sábado, 1 de novembro de 2014

A LIÇÃO DO MESTRE - CONTO CHINÊS

A  LIÇÃO DO MESTRE
CONTO CHINÊS
                                                                                                                    P”u Sung-ling

Certa vez um fazendeiro foi até uma vila vender suas pêras no mercado. Elas eram tão doces que fizeram fila para comprá-las. O fazendeiro sentia-se satisfeito com o lucro de sua colheita, quando, repentinamente, um velho monge taoísta, trajando um manto puído, de algodão, colocou-se à sua frente e lhe pediu uma pêra de presente. O fazendeiro ficou furioso.
- Por que o senhor não compra a fruta, como todos os outros? Eu não acredito na caridade, eu não ajudo ninguém! Se o senhor quer comer, que trabalhe, como eu!
- Caro amigo, meu trabalho é importante, mas nem sempre produz dinheiro, como o seu. Sua carroça está lotada de peras, que falta lhe faria uma única fruta?
Nisso, uma multidão já havia se reunido para ouvir a conversa.
- Por que o senhor não dá ao monge aquela pêra um pouco machucada que está no cantinho do cesto? – sugeriu um passante.
Mas o fazendeiro, irado, gritou para chamar a polícia:
- Prendam esse vagabundo! Ele decretou.
Porém, o guarda, que aprendera artes marciais com os velhos monges taoístas, aproximou-se, comprou uma pêra e a entregou ao sábio, fazendo-lhe uma  respeitosa reverência.
- Nós, os monges, que abandonamos os caminhos do mundo para rezar e meditar, sentimos muita dificuldade em compreender a avareza e a falta de generosidade. Vejo ao meu redor várias pessoas sem recursos. Por favor, senhor fazendeiro, permita que eu os alimente com suas peras.
Então, no lugar de comer a pêra que o guarda havia lhe dado, o velho monge abriu a fruta e lhe retirou as sementes, plantando-as no solo. Depois, pediu que lhe dessem um pouco de água para regá-las.
Em seguida, sentou-se calmamente e aguardou. Em menos de um minuto um broto começou a surgir, que rapidamente se transformou no tronco de uma bela pereira, que logo produziu frutas bem mais saborosas do que aquelas que o fazendeiro trouxera para vender. A multidão aplaudiu feliz aquela bela árvore que nasceu das mãos mágicas do monge e mais felizes ainda ficaram as pessoas quando o sábio colheu as peras e as distribuiu entre todos os que o cercavam.
Assim que percebeu que as pessoas estavam satisfeitas, o monge apanhou uma pá e arrancou a árvore do solo. Depois, colocou a copa da pereira nos ombros e partiu feliz e contente, sem dar a menor explicação.
Foi quando o fazendeiro, que assistira a tudo aquilo espantado, notou que todas as peras haviam sumido de sua carroça. Aliás, a carroça também havia desaparecido. Envergonhado por sua avareza, ele compreendeu que a madeira da carroça fora transformada pelo monge em tronco de árvore e que suas peras haviam saciado a fome de muita gente necessitada. Cabisbaixo, ele voltou caminhando para suas terras, enquanto a história da pêra mágica percorria o mercado, provocando muitas gargalhadas.