SORRISO
JOSÉ SARAMAGO
Sorriso,
diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e
executando contracção muscular da boca e dos olhos.
O
sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo
ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a
frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que
as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e
ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exatamente, o sentido
das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos
os dias, elas nos envolvem.
Não
há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu
contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o
sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e
(por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.
O
Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma
sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não
cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às
vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do
ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não
terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho
súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do
sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se
moveu? E contudo era um sorriso.
FIM