segunda-feira, 18 de setembro de 2017

CLARICE LISPECTOR - MACACOS

MACACOS
CLARICE LISPECTOR


            Da primeira vez que tivemos em casa um mico foi perto do Ano-Novo. Estávamos sem água e sem empregada, fazia-se fila para carne, o calor rebentara — e foi quando, muda de perplexidade, vi o presente entrar em casa, já comendo banana, já examinando tudo com grande rapidez e um longo rabo. Mais parecia um macacão ainda não crescido, suas potencialidades eram tremendas. Subia pela roupa estendida na corda, de onde dava gritos de marinheiro, e jogava cascas de banana onde caíssem. E eu exausta. Quando me esquecia e entrava distraída na área de serviço, o grande sobressalto: aquele homem alegre ali. Meu menino menor sabia, antes de eu saber, que eu me desfaria do gorila: "E se eu prometer que um dia o macaco vai adoecer e morrer, você deixa ele ficar? e se você soubesse que de qualquer jeito ele um dia vai cair da janela e morrer lá embaixo?" Meus sentimentos desviavam o olhar. A inconsciência feliz e imunda do macacão-pequeno tornava-me responsável pelo seu destino, já que ele próprio não aceitava culpas. Uma amiga entendeu de que amargura era feita a minha aceitação, de que crimes se alimentava meu ar sonhador, e rudemente me salvou: meninos de morro apareceram numa zoada feliz, levaram o homem que ria, e no desvitalizado Ano-Novo eu pelo menos ganhei uma casa sem macaco.
       Um ano depois, acabava eu de ter uma alegria, quando ali em Copacabana vi o agrupamento. Um homem vendia macaquinhos. Pensei nos meninos, nas alegrias que eles me davam de graça, sem nada a ver com as preocupações que também de graça me davam, imaginei uma cadeia de alegria: "Quem receber esta, que a passe a outro", e outro para outro, como o frêmito num rastro de pólvora. E ali mesmo comprei a que se chamaria Lisette.
Quase cabia na mão. Tinha saia, brincos, colar e pulseira de baiana. E um ar de imigrante que ainda desembarca com o traje típico de sua terra. De imigrante também eram os olhos redondos.
Quanto a essa, era mulher em miniatura. Três dias esteve conosco. Era de uma tal delicadeza de ossos. De uma tal extrema doçura. Mais que os olhos, o olhar era arredondado. Cada movimento, e os brincos estremeciam; a saia sempre arrumada, o colar vermelho brilhante. Dormia muito, mas para comer era sóbria e cansada. Seus raros carinhos eram só mordida leve que não deixava marca.
No terceiro dia estávamos na área de serviço admirando Lisette e o modo como ela era nossa. "Um pouco suave demais", pensei com saudade do meu gorila. E de repente foi meu coração respondendo com muita dureza: "Mas isso não é doçura. Isto é morte". A secura da comunicação deixou-me quieta. Depois eu disse aos meninos: "Lisette está morrendo". Olhando-a, percebi então até que ponto de amor já tínhamos ido. Enrolei Lisette num guardanapo, fui com os meninos para o primeiro pronto-socorro, onde o médico não podia atender porque operava de urgência um cachorro. Outro táxi. — Lisette pensa que está passeando, mamãe — outro hospital. Lá deram-lhe oxigênio.
        E com o sopro de vida, subitamente revelou-se uma Lisette que desconhecíamos. De olhos muito menos redondos, mais secretos, mais aos risos e na cara prognata e ordinária uma certa altivez irônica; um pouco mais de oxigênio, e deu-lhe uma vontade de falar que ela mal agüentava ser macaca; era, e muito teria a contar. Breve, porém, sucumbia de novo, exausta. Mais oxigênio e dessa vez uma injeção de soro a cuja picada ela reagiu com um tapinha colérico, de pulseira tilintando. O enfermeiro sorriu: "Lisette, meu bem, sossega!"
Resultado de imagem para MICOO diagnóstico: não ia viver, a menos que tivesse oxigênio à mão e, mesmo assim, improvável. "Não se compra macaco na rua", censurou-me ele abanando a cabeça, "às vezes já vem doente". Não, tinha-se que comprar macaca certa, saber da origem, ter pelo menos cinco anos de garantia do amor, saber do que fizera ou não fizera, como se fosse para casar. Resolvi um instante com os meninos. E disse para o enfermeiro: "O senhor está gostando muito de Lisette. Pois se o senhor deixar ela passar uns dias perto do oxigênio, no que ela ficar boa, ela é sua". Mas ele pensava. "Lisette é bonita!", implorei eu. "É linda", concordou ele pensativo. Depois ele suspirou e disse: "Se eu curar Lisette, ela é sua". Fomos embora, de guardanapo vazio.
         No dia seguinte telefonaram, e eu avisei aos meninos que Lisette morrera. O menor me perguntou: "Você acha que ela morreu de brincos?" Eu disse que sim. Uma semana depois o mais velho me disse: "Você parece tanto com Lisette!" "Eu também gosto de você", respondi.

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domingo, 10 de setembro de 2017

LENDA JAPONESA - CASA DOS ESPELHOS

A CASA DOS MIL ESPELHOS
LENDA JAPONESA




Tempos atrás em um distante e pequeno vilarejo, havia um lugar conhecido como a casa dos 1000 espelhos. Um pequeno e feliz cãozinho soube deste lugar e decidiu visitar. Lá chegando, saltitou feliz escada acima até a entrada da casa. Olhou através da porta de entrada com suas orelhinhas bem levantadas e a cauda balançando tão rapidamente quanto podia. Para sua grande surpresa, deparou-se com outros 1000 pequenos e felizes cãezinhos, todos com suas caudas balançando tão rapidamente quanto a dele. Abriu um enorme sorriso, e foi correspondido com 1000 enormes sorrisos.
Quando saiu da casa, pensou:
- Que lugar maravilhoso! Voltarei sempre, um montão de vezes.


Neste mesmo vilarejo, um outro pequeno cãozinho, que não era tão feliz quanto o primeiro, decidiu visitar a casa. Escalou lentamente as escadas e olhou através da porta. Quando viu 1000 olhares hostis de cães que o olhavam fixamente, rosnou e mostrou os dentes e ficou horrorizado ao ver 1000 cães rosnando e mostrando os dentes para ele.
Quando saiu, ele pensou,
- Que lugar horrível, nunca mais volto aqui.

Todos os rostos no mundo são espelhos.

LENDA JAPONESA - A LENDA DOS MIL TSURUS DE ORIGAMI

A Lenda dos Mil Tsurus* de Origami
LENDA JAPONESA

Tsuru é uma ave, da espécie da família dos grous (cegonhas), nativa do Japão.
Ninguém sabe desde quando existia uma lenda no Japão segundo a qual, aquele que fizesse mil tsurus de origami teria um pedido atendido pelos deuses. Mas essa lenda ficou mundialmente conhecida com a triste história de uma garotinha chamada Sadako Sasaki.
Sadako nasceu em Hiroshima e tinha apenas dois anos de idade quando os americanos lançaram a bomba atômica sobre a cidade. Ela vivia distante do epicentro da bomba e juntamente com a mãe e o irmão, saiu ilesa do ataque. Mas consta que durante a fuga, eles foram encharcados pela chuva negra (radioativa) que caiu sobre Hiroshima ao longo daquele dia fatídico.
Retomando suas vidas após o término da guerra, Sadako e sua família viviam normalmente e ela era uma garota aparentemente saudável até completar doze anos de idade. Em janeiro de 1955, durante uma aula de educação física, Sadako, que adorava corridas, sentiu-se mal, com tonturas. Os dias se passaram e novamente o mal estar fez com que ela caísse no chão, sem sentidos. Socorrida e levada a um hospital, depois de alguns dias surgiram marcas escuras em seu corpo e o diagnóstico foi de leucemia, doença que já estava matando outras crianças expostas à bomba. Na época a leucemia era até chamada de "doença da bomba atômica". Ela foi internada em fevereiro de 1955, recebendo a previsão de sobrevida de apenas 1 ano.
Em agosto desse mesmo ano, sua melhor amiga, Chizuko Hamamoto foi visitá-la no hospital. Chizuko fez uma dobradura de tsuru e presenteou Sadako, contando-lhe a lenda dos mil tsurus de origami.
Sadako decidiu fazer os mil tsurus, desejando a sua recuperação. Mas a doença avançava rapidamente e Sadako cada vez mais debilitada, prosseguia dobrando lentamente os pássaros, sem mostrar-se zangada e sem entregar-se.
Em dado momento Sadako compreendeu que sua doença era fruto da guerra e mais do que desejar apenas a sua própria cura, ela desejou a paz para toda a humanidade, para que nenhuma criança mais sofresse pelas guerras. Ela disse sobre os tsurus: "Eu escreverei PAZ em suas asas e você voará o mundo inteiro".
Resultado de imagem para sadako sasakiPor fim, na manhã de 25 de Outubro de 1955, Sadako montou seu último tsuru e faleceu, amparada por sua família. Ela não conseguira completar os mil origamis, fizera 644. Mas seu exemplo tocou profundamente seus colegas de classe e estes dobraram os tsurus que faltavam para que fossem enterrados com ela.
Tristes e sensibilizados, os colegas decidiram fazer algo por Sadako e por tantas outras crianças. Formaram uma associação e iniciaram uma campanha para construir um monumento em memória à Sadako e a todas as crianças mortas e feridas pela guerra. Com doações de alunos de cerca de 3100 escolas japonesas e de mais nove países, em 1958, foi erguido em Hiroshima o MONUMENTO DAS CRIANÇAS À PAZ, também conhecido como Torre dos Tsurus, no Parque da Paz.
O monumento de granito simboliza o Monte Horai, local mitológico, onde os orientais acreditam que vivem os Espíritos. No topo do monte está a jovem Sadako segurando um tsuru em seus braços estendidos. Na base do monumento estão gravadas as seguintes palavras:
   "Este é nosso grito,
Esta é nossa oração
PAZ NO MUNDO"